Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] Assim como o florescer de um romance é uma história antiga o mesmo pode-se dizer do arrefecer de uma relação. Este filme sem grandes pretensões, que eu chamei de "pequeno" por isso mesmo, serve à realização de um grande filme por uma performance histórica de uma grande atriz: Glenn Close. The Wife é uma adaptação concisa e coesa feita por Jane Anderson de um romance de mesmo nome escrito há cerca de 15 anos por Meg Wolitzer. Meg relata, nessa história a típica história de dissolução de um casamento, uma temática essencialmente feminista. O tema central do romance e do filme, profundamente atual no seu tema central, adquire ainda mais relevância depois do movimento #Metoo. Nele, muitas mulheres não só se revoltaram contra a cultura do assédio, da violação, ou da ação de maior sutileza de passar o tempo na sombra de outros homens, com ou sem uma chantagem explícita. Pois é exatamente disso que o filme trata, trazendo a protagonista Joan Castleman (o papel magistral de Glenn Close) na sua relação pretérita e atual com seu marido Joe Castleman, um papel difícil de Jonathan Price, que acaba de ganhar o prêmio Nobel de Literatura por obras aclamadas mundialmente. Com a ida e a estadia na cidade de Estocolmo, para receber as homenagens e o prêmio, e com os preparativos da cerimônia, a relação do casal é posta à prova quando outro escritor, Nathaniel Boone questiona o passado dos dois e a real autoria das obras. Esse simples ponto de partida aos poucos torna-se uma história que se revela mais e mais complicada, ganhando um desconforto crescente até a sua justificação na narrativa. Uma relação aparentemente ideal é esmiuçada e ressignificada através de muitos flashbacks. O roteiro adaptado por Jane Anderson é eficiente em seu arranjo de cenas, com idas e vindas entre o passado e o presente, reconstruindo um quebra-cabeça que ninguém, até esse momento, quiz enfrentar anteriormente. É nesse jogo de vai-e-vem e numa atmosfera cada vez mais asfixiante que Joan (e Glenn Close magnífica em sua transformação) rejeita o seu papel de uma mulher que foi espectadora de sua própria vida e recobra suas ambições. Nessa transformação da condição de mulher submissa, Joan (e Glenn Close), através de olhares, faces, sentimentos, levanta dúvidas e questionamentos e a integridade daquilo tudo.
A transformação de uma posição passiva e o despertar da personagem ativa leva a um novo patamar de ação, de interpretação, de reavaliação do seu papel de esposa (nesse sentido é interessante comparar com uma redescoberta semelhante feita por Charlotte Rampling no filme 45 Anos, de 2015). Nessa transformação, Joan (Close) está brilhante ao materializar suas emoções e transbordar a sua fúria internalizada na sua discussão final com Joe. Isso já havia sido mostrado pela opção do diretor de destacar as duas forças principais de seu filme, o texto e a própria Close. Bjorn Runge, o diretor, prefere fixar a atenção para o valor no rosto dos atores, à medida que um detalhe de importância possa surgir a partir dos diálogos (isso pode ser visto logo no início do filme quando Joan e Joseph dividem a linha telefônica durante a comunicação da premiação). Glenn Close apresenta uma das faces mais expressivas de sua geração. Runge sabe disso e praticamente sem diálogos faz com que Close diga tudo de importância através de detalhes expressivos de rosto e de seus olhos. Pequenas expressões sinalizam o mal-estar, o bem-estar, a raiva, o amor... Apesar disto, e mesmo com um currículo repleto de grandes trabalhos, Close até hoje não foi premiada com um Oscar. Espero(amos) que a Academia, neste ano, repare essa injustiça escolhendo-a como a Melhor Atriz. Outros já o fizeram, pois Close já ganhou o Globo de Ouro por seus trabalhos na televisão (por duas vezes) e neste ano, pela primeira vez no cinema, o Globo de Ouro de Melhor Atriz no gênero drama. Talvez este seja o seu ano de reconhecimento merecido.
0 Comments
Leave a Reply. |
AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
Categorias |