Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Retratos fantasmas, o novo filme do diretor Kleber Mendonça Filho, com direção e roteiro dele mesmo é um filme de e sobre cinema. O documentário sobre os antigos cinemas do centro de Recife, não é só isso. É uma história contada a partir das salas de cinema que movimentavam a população e ditavam os seus comportamentos. Ele é tão pessoal, que mais parece uma crônica, uma crônica cinematográfica. Narrado em voz de primeira pessoa, está dividido em três partes, mas mesmo essa divisão, indicada por legendas, não pesa muito, no sentido de que não torna o filme esquemático. É um filme falado, um filme de causos, de contação de histórias, de apontamentos, uma conversa de Kleber com o público. A primeira parte é sobre o apartamento da família do cineasta; a segunda sobre as ruínas dos cinemas antigos; a terceira sobre como esses cinemas viraram templos evangélicos, ou, retrocedendo mais no tempo, como Kleber Mendonça fez, como igrejas viraram cinemas, caso curioso do Cine São Luiz, que fora no passado, uma igreja anglicana. O roteiro do filme, uma crônica personalíssima de Kleber, autobiográfica de ponta a ponta, começa efetivamente no apartamento de sua família, onde ele rodou muitos dos seus filmes, inclusive os de maior sucesso, como O som ao redor. De forma que a história do apê passa a soar como o cenário da trajetória de um cineasta – um cineasta que foi e é, antes de tudo, cinéfilo que agora nos conta, de forma igualmente pessoal, a sua tristeza de ver os cinemas da sua cidade mortos, expostos agora em “retratos” que hoje são “fantasmas”.
O olhar que Kleber trás aqui parece ser herdado de sua mãe, uma historiadora e pesquisadora de história oral, que é o que o filme busca ser, com uma narração em off de apontamentos factuais e subjetivos de forma descritiva e pontual num ritmo espaçado e calmo, despidos de variações emocionais nos tons de fala de Kleber, que não surpreende, pois fala de forma parecida ao vivo. Esse tipo de narração não dá uma seriedade ao filme, muito pelo contrário, os apontamentos nunca chegam a ser formais, são como uma conversa despojada, com humor e ironias, como se ele apontasse com o dedo para um álbum pessoal de imagens de arquivo e próprias para nos contar um causo, chamar atenção para algo que ele notou e que pelo conjunto desse roteiro ganha outras linhas de significação e reflexão, Kleber escolhe ser conciso em suas falas. A história dos fantasmas, além da alegoria que percorre o filme todo, já aparece nesta primeira parte, quando o cineasta relata sobre uma certa fotografia batida no apartamento, que teria registrado a figura de uma alma do outro mundo. E é esse mesmo clima de fantasmagoria que, aparecerá no final da terceira parte, com um desenlace criativo, que irá justificar o “desaparecimento” do motorista de aplicativo, bem na tradição do realismo mágico das histórias latino-americanas. A segunda parte do documentário é sobre as ruínas dos cinemas antigos, os “fantasmas” dos cinemas, apresentado com muita emoção, num tom subjetivo, emotivo, lírico. É só ver a relação do cineasta com o operador de câmera do antigo Cine Art-Palácio, Seu Alexandre, tudo filmado, tempos atrás, pelo próprio cineasta em um precário Super 8 – modelo de câmera hoje já morto, como aliás, também Seu Alexandre. Um dos momentos mais tocantes é quando Seu Alexandre, na derradeira sessão do cinema onde trabalhava, confessa que aquela exibição vai fechar a existência da sala, não com chave de ouro, mas com “chave de lágrimas”, liberando as suas próprias lágrimas. Como não se comover? Pouco importa se você nunca frequentou os cinemas de Recife, já que é lá que tudo se passa. Em seu tom de crônica, o filme de Kleber Mendonça nos remete a todas as histórias de cinemas de rua do país. E possivelmente, do mundo. Nas palavras de Carlos Drumond de Andrade, em outra crônica, de 1986, Os cinemas estão acabando?, “aquele que não sentiu a perda de um cinema que frequentou durante anos, tem coração de pedra ou a memória nublada”. Há um misto de sentimentos ao fim da projeção. Sente-se uma mistura de nostalgia e melancolia, mas no fim há também uma certa esperança, talvez pela forma agridoce com que o filme termina ou talvez por sentir que apesar da situação do cinema brasileiro, refém da dinâmica de shoppings e ingressos antipopulares, quase abusivos, mas que em alguns centros urbanos se veem movimentos de resgate de cinemas de rua históricos por uma lógica cultural que mescla a prática comercial com a prática de cinemateca, como no Cinema São Luiz em Recife, ou o seu homônimo em Fortaleza. Eu, não me vi pessoalmente, nas calçadas e dentro dos cinemas de Recife, como Kleber tão bem descreve de forma tão nostálgica e cativante, mas vi o mesmo processo acelerado de destruição dos cinemas de São Paulo, onde vivi a maior parte da minha vida e mais recentemente, nos ultimos vinte anos, dos cinemas de Natal e de outras cidades do Rio Grande do Norte e que resultaram na escrita de um livro em vias de publicação sobre os cinemas de rua do Rio Grande do Norte.
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Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Três Dias que Mudaram Tudo, é uma dramatização do desastre nuclear da Usina Nuclear de Fukushima Daiichi, em Okuma, no Japão, que ocorreu em 2011. Está se destacando pelo seu nível de realismo e produção ao contar a história real do acidente nuclear na região japonesa no início da década de 2010, em março de 2011, como consequência do terremoto e tsunami de Tōhoku, que continua sendo o terremoto mais poderoso já registrado no Japão e que ocorreu naquela época e naquela região. A série de oito episódios detalha os eventos do incidente ao longo de um período de sete dias, contando a história a partir da perspectiva de várias pessoas envolvidas, incluindo funcionários do governo e empregados da usina. Após o maremoto de magnitude 8,7, que desencadeou o tsunami, ondas de até 14 metros de altura atingiram a costa do Japão. Com toda sua força, elas alcançaram a usina nuclear e danificaram geradores a diesel de emergência, o que resultou em perda de energia na usina. Devido a essa perda, as bombas de resfriamento do reator também pararam de funcionar. Sem o resfriamento crucial do núcleo do reator, ocorreu o derretimento de três dos seis reatores nucleares, três fusões nucleares, três explosões de hidrogênio e a liberação de contaminação radioativa em três unidades diferentes entre os dias 12 e 15 de março. O desastre nuclear foi o mais grave desde Chernobyl em 1986 e se juntou a ele como o único outro acidente a receber a classificação Nível Sete na Escala Internacional de Eventos Nucleares (INES). A radiação resultante do desastre forçou o governo a declarar uma zona de evacuação ainda maior ao redor da usina, totalizando um raio de 20 quilômetros. Cerca de 110.000 residentes tiveram que ser evacuados das comunidades próximas à usina. Nas semanas seguintes ao desastre, um esforço em grupo maciço foi feito para restaurar a remoção de calor dos reatores e lidar com lagoas de combustível superaquecidas. Isso foi feito por centenas de funcionários da Tokyo Electric Power Company (TEPCO), bem como por empreiteiros, com apoio de bombeiros e militares. Até hoje existe uma controvérsia muito grande sobre o desastre, por conta da grande quantidade de água contaminada com isótopos radioativos que fora liberada no Oceano Pacífico durante e após o desastre. Um plano foi implementado desde então para limpeza intensiva contínua, com esforços para descontaminação das áreas afetadas e o descomissionamento da usina, o que levará de 30 a 40 anos a partir do desastre, conforme estimado pela própria administração da usina. A série teve criação de Jun Masumoto e direção de Masaki Nishiura e Hideo Nakata. O roteiro é de Ryusho Kadota, baseado no livro On the Brink: The Inside Story of Fukushima Daiichi, e Jun Masumoto. No elenco, Kôji Yakusho, como Masao Yoshida (que foi uma pessoa real, gerente da usina), Yutaka Takeenouchi (como Maekawa, supervisor de turno), Fumiyo Kohinata (como o primeiro ministro Azuma) e muitos outros.
Para quem gosta de documentários que aconteceram na vida real há, na mesma Netflix, outra minissérie documental de quatro episódios, Reação Nuclear (Meltdown: Three Mile Island). Este mostra as pessoas que viram de perto o acidente na usina nuclear Three Mile Island, na Pensilvânia, EUA e explicam os eventos, as controvérsias e as consequências, do que aconteceu no dia 28 de março de 1979 e que duram até hoje. Nesse dia houve uma fusão parcial, havendo vazamento de radioatividade para a atmosfera. O acidente nuclear nesta central era considerado o mais grave, até ser superado pela ocorrência em Chernobil e Fukushima. Mesmo com todos esses acontecimentos o início do programa nuclear de geração de energia no Brasil sempre teve nuvens muito nebulosas e a discussão sobre isso permanece até hoje. A impressão dominante é a de que embarcamos num barco furado desde o princípio, construindo uma usina nuclear numa falha geológica em Angra dos Reis. Nem bem instalado um novo governo agora e se alvoroçam os defensores da continuidade da construção de Angra III, iniciada em 1984, com grandes interesses implicados, nacionais e internacionais, civis e militares, e os argumentos de sempre sobre o nuclear e o aquecimento climático. Os que se opõem a Angra III lembram as acusações de corrupção, que envolveram até um ex-presidente da República, e comparam o nuclear com alternativas em pleno desenvolvimento, dentro e fora do Brasil, com menores investimentos e energia elétrica mais barata para o usuário. No meio disso tudo surge até um vazamento de radioatividade em Angra II, mantido em segredo, mas que “acordou” a Prefeitura de Angra dos Reis. Esta embargou então a obra, por falta de pagamento da “compensação socioambiental” pela aceitação pelos moradores da cidade – que, aliás, nunca foram consultados – da instalação de algo tão perigoso no seu município. Mas no noticiário nada se fala de segurança, o maior problema da opção nuclear na produção de eletricidade, que ganhou mais atenção em 1979, quando ocorreu em Three Mile Island, nos Estados Unidos, um acidente de tipo “severo”, com o derretimento do combustível da usina. Considerado impossível, até então, era do mais alto nível de gravidade na escala da Agencia Internacional de Energia Atômica (AIEA). Ele provocou a parada imediata de todos os reatores norte-americanos e do resto do mundo, para se realizar estudos aprofundados de como evitar que se repetisse. Frente a isso tudo, a pergunta que os especialistas se fazem é de quanto Angra III já está obsoleta, e porquê o programa nuclear brasileiro continua “funcionando”? Como exemplo do que está acontecendo em outros países, depois do terceiro acidente desse mesmo tipo ocorrido em Fukushima, no Japão, como vimos acima e que foi a gota d’água que mudou posicionamentos: A Alemanha decidiu fechar todos os seus reatores (o ultimo há bem pouco tempo), outros governos europeus decidiram imitá-la quando possível, e os austríacos e italianos proibiram, em plebiscito, a construção de usinas nucleares em seus países. Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Em novembro de 2016, foi anunciado que a Paramount Pictures participara da aquisição de direitos de um drama sobre Dick Cheney que foi de executivo-chefe da Halliburton para o vice-presidente mais poderoso da história norte-americana, com um roteiro e direção sob o comando de Adam McKay. O filme seria e foi produzido por Brad Pitt, Dede Gardner e Jeremy Kleiner, com os parceiros Gary Sanchez, Will Ferrell e Kevin Messick. Christian Bale assinou contrato para interpretar Cheney no drama, Bill Pullman entrou para o elenco como Nelson Rockefeller, Sam Rockwell foi escalado para interpretar George W. Bush, Tyler Perry e Lily Rabe entraram para o elenco interpretando Colin Powell e Liz Cheney, respectivamente. Dick Cheney foi o vice-presidente mais famoso do mundo, principalmente pela sua forte influência no governo de George W. Bush entre os anos de 2001 e 2009, Sua figura e decisões tomadas, que tiveram forte impacto, como a questão com o Iraque, o tornaram uma pessoa polêmica e que divide opiniões até hoje. O filme recebeu 7 indicações ao Oscar desse ano incluindo o de melhor filme,diretor e roteiro adaptado,e duas pessoas fizeram com que o resultado final tenha sido tão bom: são eles o diretor Adam Mckay ( de A Grande Aposta) que também escreve o texto e o excepcional Christian Bale. Primeiramente a direção é muito precisa, reúne os pontos diversos que envolvem a gestão e também a vida particular de Dick. Possui uma boa dosagem de passagem do tempo e isso se leva em conta ao roteiro muito bom que une os pontos de forma um pouco cômica, mas sem deixar de fazer críticas discretas. O bom elenco é comandado por Christian Bale que dá a vida ao seu personagem (ganhou o Globo de Ouro, Critics´Choice Awards e o Oscar). Bale está fisicamente irreconhecível, acima do peso e com um trabalho de maquiagem excelente. Ele é um dos pontos que ajudam, com a sua atuação, transmitir toda a antipatia e o jeito pouco aberto e identificável de Cheney. Vice é o retrato de um político polêmico e poderoso que teve alta influência na política americana que conta com um trabalho muito destacável. Vice é um filme que retrata com maestria a fase embrionária da direita populista nos EUA, e as consequências de sua ascensão no curso da política mundial, principalmente por influência do ex-deputado Dick Cheney durante seu tempo como vice-presidente. Vice é um filme que tem um lado, sem dúvida, e por vezes o desgosto do realizador pelo personagem retratado fica tão evidente que o público não consegue enxergar Cheney como nada além de uma caricatura, e não um personagem complexo como qualquer outro. Christian Bale está excelente, numa performance que exala dedicação e estudo.Outros destaques são Amy Adams como a assustadora senhora Cheney e Steve Carrell como o abominável Donald Rumsfeld. Um thriller político muito bom, mas que podia ter sido bem melhor se trabalhasse melhor a complexidade nas motivações de Cheney e do porque para o discurso populista ter tanto eco nas classes baixas de norte-americanos brancos. O filme se apresenta como uma cinebiografia da trajetória política de Cheney, mostrando o seu início como assessor e sua transição para outros cargos, como deputado federal, chefe de gabinete presidencial e, por fim, vice-presidente de George W. Bush (papel de Sam Rockwell, de Três Anúncios para um Crime). Cheney, em toda sua carreira contou com a influência do Secretário de Defesa Donald Rumsfeld (Steve Carell, de Querido Menino) e com o apoio da esposa Lynne Cheney (Amy Adams, de Liga da Justiça). Os bastidores do poder na Casa Branca são satirizados ao abordar o quebra-cabeça ardiloso para a formação de governos, aprovação ou rejeição de leis e concretização ilegal de interesses individuais. Tais práticas encontram seu ápice na narrativa durante a chamada “guerra ao terror” contra o terrorismo após os atentados às Torres Gêmeas em 2001, marcada pela deturpação de leis através de interpretações muito particulares e imorais. Dick Cheney é retratado como um personagem patético: na primeira cena, está bêbado e gritando. Trata-se de uma fase fracassada de sua vida, em que parecia fadado à mediocridade. Após a ajuda da esposa, reergue-se e entra na vida política, tornando-se bem-sucedido ao agradar as pessoas certas e construir alianças importantes. Quando chega à vice-presidência, já desenvolveu uma personalidade fria, calculista e inescrupulosa, capaz das piores atrocidades de maneira furtiva. Muito da composição do personagem se deve a Christian Bale, que desaparece por trás de uma belíssima atuação: a voz rouca, a pouca articulação dos lábios, o ganho de peso e a gradual inclinação do corpo devido à idade. O trabalho de maquiagem e penteado também é fundamental, indicando a passagem de tempo, com a crescente calvície e a face volumosa. O mundo à sua volta reforça a falta de escrúpulos graças às pessoas desagradáveis que o povoam. Lynne Cheney, vivida por Amy Adams, é o inabalável suporte do marido, que o instiga a conquistar e a manter o poder a qualquer custo, ao estilo de Claire Underwood da série House of Cards. Donald Rumsfeld, interpretado por Steve Carell, é um sujeito truculento e grosseiro que gera rápida antipatia por agir dentro de uma moral própria deturpada. E George W. Bush, vivido por Sam Rockwell, é um jovem inconsequente, desconhecedor das engrenagens da política e tratado por Dick como uma marionete que possibilita ao vice, de fato, governar o país. Em cada um desses atores, a maquiagem para envelhecimento também é muito eficiente, dando-lhes cabelos grisalhos e rugas na pele. A linguagem dinâmica típica de Adam McKay aparece principalmente na montagem. Imagens não relacionadas à trama são inseridas através de cortes rápidos para criar metáforas ou piadas que explicam as ações dos personagens, acentuam as atrocidades feitas na política ou ridicularizam as figuras reais. Além disso, flashbacks e projeções de um futuro hipotético oferecem momentos diferentes da vida de Dick e mantêm a fluidez do ritmo, apesar das mais de duas horas de projeção. Outro elemento que define o humor geral é a própria direção. O deboche já aparece na abertura, com o letreiro que situa a cinebiografia de Dick Cheney e se estende na exibição de personagens em momentos nada simpáticos – por exemplo, o gargarejo do vice em um plano mais longo do que o usual. McKay também resgata dois recursos presentes em A Grande Aposta: o uso de diferentes formatos de imagem, como o próprio aspecto cinematográfico, registros reais de arquivo e a estética jornalística; e o emprego da narração em off e da quebra da quarta parede (quando o personagem fala diretamente para a câmera), responsáveis por comentários irônicos e exposições, por vezes didáticas até demais, dos acontecimentos. Enfim, Vice é uma comédia absurda baseada em fatos reais que se apoia em uma edição dinâmica, um roteiro afiado e atuações fortes para contar a história da política norte-americana de uma forma engraçada e, ao mesmo tempo, reflexiva. Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] O Milagre (The Wonder), filme de mistério e drama realizado em 2022 e dirigido por Sebastián Lelio, tem uma história aparentemente muito simples já vista em muitos outros filmes: “Em 1862, uma enfermeira inglesa assombrada por seu passado (serviu na Guerra da Criméia, no século 19) vai até um remoto vilarejo irlandês para investigar o jejum supostamente milagroso de uma jovem para acompanhar o “milagre” de uma menina que há meses não se alimenta e vem chamando a atenção em seu vilarejo e arredores. Recebendo visitas de fiéis e uma investigação da Igreja”. É simples assim, mas ao longo da história muito nos faz pensar e o que se seguirá é uma narrativa que irá desmistificar o milagre do título. Uma quebra da fantasia realizada pela própria linguagem cinematográfica. Ao misturar religião e fé, que são variações de um mesmo tema, e através do misticismo, nos aproximamos das relações entre Deus e o homem. Se a natureza divina se faz presente em rigorosamente todos os seres, animados ou inanimados, racionais ou não, como pensou antes Spinoza, o Criador seria também capaz de apresentar-se sob uma forma curiosamente ambígua, juntando num único ser a constituição sem falhas que o difere de qualquer outra entidade e a matéria, perecível e dúbia, que conhecemos tão bem. O chileno Sebastián Lelio, nascido em Mendoza, Argentina, produtor e roteirista também, tem tarimba em descrever situações nos mais matizados graus de incômodo. Até os seus filmes mais recentes, realizou Fragmentos Urbanos, em 2002, Ciudad das Maravilhas, em 2002 também, A Sagrada Família, em 2006, Glória, em 2013 e 2018 e o ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2018, Una Mujer Fantastica, representando o seu país, Chile. O filme que comentamos tem um roteiro elaborado pela escritora do livro original e pela roteirista Alice Birch. Destacam-se no filme ainda, Tom Burke e Niamh Algar e é uma coprodução Irlanda, Reino Unido e Estados Unidos. Em O Milagre, Lelio resolve encampar novos e indigestos pontos de vista desta feita voltados para uma das controvérsias mais frutíferas da civilização. O Milagre é a convincente história de uma farsa. Com o filme, baseado no romance homônimo de Emma Donoghue publicado em 2016, Lelio pretende atingir o coração do espectador no que ele pode ter de mais genuíno e, a um só tempo, de mais frágil: a crença de que a vida humana deve ser permeada pelo componente metafísico da religião e da espiritualidade, nessa ordem. O diretor mira Deus e que maneira certos homens O vêm, explicitando a confusão deliberada em torno da necessidade de se guardar a fé e de se estar sempre atento aos propósitos, nada ingênuos, que visam manter aceso o interesse nas coisas divinas. Através da atuação exemplar de atores e atrizes, como Florence Pugh e Kila Lord Cassidy a história se faz mais verdadeira ainda. Lib Wright, a enfermeira inglesa deslocada para a Irlanda em 1862 a fim de cumprir uma perturbadora missão, deixa-nos cicatrizes quase tão profundas quanto às daquele cenário, palco de miséria e fome desde há, pelo menos, duas décadas. Lelio trabalha a inclusão de Anna O’Donnell, a personagem de Kíla Lord Cassidy, de modo a legitimar o sacrifício de Lib em meter-se numa nova vida tão transtornada por um ideal, ainda que regiamente paga. À medida que as duas se aproximam, claro, tudo o que parecia etéreo torna-se palpável, enfim. Como se queria demonstrar desde o princípio. Usando locações que enaltecem o vazio que a Irlanda estaria se tornando com uma fome que reduziu drasticamente sua população e provocou uma emigração em massa, o diretor Sebastián Lelio traduz o fervor religioso em uma fotografia e enquadramentos que remetem a pinturas sombrias da época. Uma época ambientada em O Milagre que não difere tanto da atual, em que conflitos e o desamparo da população levam ao fanatismo que põe em risco a vida dos mais vulneráveis. O Milagre, no final das contas, em momento algum é religioso ou tenta comprovar teses religiosas. Pelo contrário: o filme faz de tudo, desde sua primeira cena, para mostrar que essa não é uma história mergulhada nos milagres da religião. Lelio, para isso, abraça uma protagonista que nunca acredita na possibilidade de um milagre envolvendo a jovem Anna e sabe, sem dúvidas, que alguém a está alimentando sem que os outros saibam. Ela está ali para tentar desmobilizar essa armação e, se possível, salvar a criança de morrer de fome. Lelio conta uma história sobre uma garota que, naqueles tempos, se transformou em uma história em movimento. Uma história que as pessoas queriam acreditar.
Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] A minissérie Inside Man, produção de 2022, estreou recentemente no catálogo da Netflix. É um drama, misturado com suspense e trama policial. Na trama, Jefferson Grieff (Stanley Tucci) é um prisioneiro no corredor da morte. Enquanto espera, o condenado resolve mistérios difíceis de serem solucionados. É quando ele resolver ajudar uma jornalista britânica a procurar uma amiga desaparecida. A série foi produzida pela BBC (British Broadcasting Corporation), a TV pública estatal britânica associada a produções de alta qualidade. Como exemplos, o premiado filme Ataque dos Cães e a série premiadíssima Doctor Who. A minissérie conta ainda, além de Tucci, com David Tennant, Lydia West, Dolly Wells, Lyndsey Marshal, Louis Oliver e Atkins Estimond. A direção é de Paul McGuigan. O roteiro é de Steven Moffat (o responsável por apresentar os personagens clássicos de Arthur Conan Doyle aos novos tempos na moderna série Sherlock (2010–2017), com Benedict Cumberbatch e Martin Freeman). Inside Man conta com quatro episódios na sua primeira temporada, todos com cerca de 60 minutos cada um. O que dois assassinos condenados no corredor da morte, uma jornalista, um pedófilo, uma professora particular de matemática, um vigário e seu filho adolescente têm em comum? Aparentemente, nada! Mas, por um acaso infeliz do destino e pelo desenrolar de situações equivocadas e desentendimentos, todas essas pessoas acabam se interligando de uma maneira cada vez mais complicada. A minissérie Inside Man é muito boa e merece uma chance por quem gosta de um suspense incisivo, com uma história cheia de percalços para os personagens e algumas surpresas. Na trama, um assassino confesso detido numa prisão nos EUA, condenado à pena de morte, aguarda na cela seu dia fatal enquanto resolve pequenos casos com sua astúcia e inteligência. Do outro lado do Atlântico, na Inglaterra, um vigário de uma pequena cidade é levado a cometer um ato criminoso para proteger sua família. Essas duas histórias serão contadas em paralelo e entrelaçadas, com resultados inesperados. A narração das histórias de todas essas pessoas que, aparentemente sem conexão alguma, acabam se cruzando e se juntando pouco a pouco como um quebra-cabeça – fazendo, assim, uma análise de uma ideia distorcida sobre justiça e moralidade. Obviamente, como toda minissérie há pontos questionáveis. O ponto negativo principal, a meu ver, é que algumas soluções para resolução dos casos apresentados ao longo da trama se mostram um tanto artificiais, mas isso não atrapalha o prazer de assistir a um bom entretenimento. De outro lado a produção tem uma temporada curta, com um total de episódios reduzidos pela metade – se comparado com outras minisséries, que costumam ter o dobro de episódios –, mas ganha destaque com suas performances impecáveis e temas pesados, contados a partir de um enredo simples, porém bastante intrigante e tenso. Com apenas quatro episódios, a narrativa não perde tempo: já logo no começo do primeiro episódio, todos os elementos narrativos são apresentados e estabelecidos com a mecânica da trama geral.
A atuação de Stanley Tucci está brilhante e surpreendente. Tucci é um dos atores mais talentosos que existem e, em “Inside Man”, ele entrega uma performance completamente envolvente com um personagem complexo, frio, calculista e intrigante. É um papel que poderia ter sido interpretado por qualquer outro ator, mas, definitivamente, se encaixou muito bem com Tucci. De forma carismática e cativante, o ator convence bastante, funcionando como uma mistura elegante de Sherlock Holmes com Hannibal Lecter, que, com uma inteligência extraordinária, faz grandes deduções e se mostra como um excelente profissional da criminologia. Os argumentos sobre moralidade e justiça através dos pontos de vista de Grieff e do vigário Harry certamente trouxeram um lado intelectual ao seriado. Apesar de ser um thriller de mistério, o maior destaque de “Inside Man” é a questão de valor moral e de senso de justiça, que podem ser facilmente distorcidos e, assim, levando pessoas a cometerem crimes. A produção entrega esses dois elementos narrativos de uma forma não muito perceptível logo no começo da série, mas, sim, à medida que a narrativa se desenrola e se tornando cada vez mais definida ao longo dos episódios – o que é muito benéfico para a série em geral. Com isso, a série em tela apresenta uma premissa intrigante e atuações excelentes. Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Todo cuidado é pouco quando se decide transformar um livro que vendeu mais de um milhão de cópias em filme. “Ninguém é de Ninguém” é uma obra escrita por Zíbia Gasparetto e fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais da doutrina espírita, que é a terceira religião com mais adeptos no Brasil. Seria um desafio e tanto para qualquer diretor (no caso, Wagner de Assis, autor também do roteiro), traduzir em filme a história de dois casais (Roberto/Gabriela e Renato/Gioconda). Dois casais jovens e bonitos que têm as suas vidas particular e profissional, entrelaçadas e transformadas por sentimentos dominadores. Roberto (Danton Mello) é casado com Gabriela (Carol Castro) e logo no início já somos apresentados à sua possessividade e insegurança, que se agrava após Roberto perder o emprego e depender economicamente da sua esposa. Já Gabriela está em ascensão no trabalho e colhe os frutos do seu sucesso profissional, para a inveja do marido. Do outro lado estão Renato (Rocco Pitanga) e Gioconda (Paloma Bernardi), casados e sócios do escritório de advocacia onde Gabriela trabalha. De imediato, Gioconda inexplicavelmente se sente ameaçada pela presença de Gabriela, como se pressentisse que ela fosse despertar no marido algum tipo de admiração a qual seria retribuída. O elemento deflagrador dos conflitos são as inseguranças de Roberto e Gioconda, que para não perderem seus pares decidem por si que vão às últimas consequências para evitar uma separação. Como se tratam de conflitos internos intensos e sentimentos de ordem muito particular, o diretor precisou transformar essas sensações de posse irracional e ciúme doentio numa forma compreensível ao grande público. Em alguns momentos como clichês, seja na forma como Roberto e Gioconda articulam a derrocada profissional de Gabriela, ou nos momentos dos seus rompantes emocionais. Além disso, estes recursos fantasiosos são necessários para explicar como o plano espiritual incide nas vidas dos personagens, sobretudo depois que Roberto contrata os serviços de um profissional para enfeitiçar sua mulher e realizar o pagamento com a própria alma. Para ajudar a passar estes conceitos, o diretor lança mão de uma fotografia intensa, com ambientes escuros, recursos sonoros marcados, figurinos e maquiagens que reforçam a ideia mitificada do bem e do mal. Wagner de Assis já comandou filmes da temática como “Nosso Lar”, de 2010, e “Kardec: A História por Trás do Nome”, de 2019, e já demonstrou com eles para qual tipo de público faz seus filmes de longa-metragem: pessoas que não possuem o hábito de ir ao cinema, muito menos ler livros espíritas (entre outras palavras, são os menos exigentes). Consequentemente, somos brindados a um jogo de “pobreza” narrativa, como enquadramentos sensacionalistas, regados a uma trilha sonora que transmite um sentimento óbvio (como na cena onde Renato coloca a mão na cintura de Gabriela). Sim, estamos falando, realmente de um filme que extrapola neste quesito. Isso porque não falei sobre as cenas de ambos os casais em suas casas, que se assemelham a uma família em uma propaganda de margarina (fugindo totalmente dos padrões de uma casa normal de brasileiros). Fora os diálogos que quando não são ditas frases de efeito, o linguajar foge totalmente do que ocorre no dia a dia (em outras palavras, faltou um contato de realismo por parte dos envolvidos). “Ninguém é de Ninguém” termina sendo mais um filme fraco de nicho específico, feito totalmente para pessoas adeptas ao espiritismo e nada mais do que isso. Sem esse viés, o filme é simplesmente muito ruim.
No elenco destacam-se, ainda, Stepan Nercessian, Renata Castro Barbosa, Luiz Antonio Pillar, Gleici Damasceno, Charles Myara, Léo Castro, Pedro Guilherme, Dani Gutto, Maria Clara Baldon, Laura Souza, Aline Prado, Natália Rosa, Fabio de Lucca, Renata Canossa, Paty Santana, Nico Salim, Jovan Ferreira. O filme é de 2023, tendo estreado nos cinemas em 20 de abril, em 309 salas em todo o país. Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Uma continuidade competente para um filme intrigante que envolve a atração pela mágica, pelo ilusionismo e o suspense no gênero policial bem feito. É a continuação do filme Truque de Mestre (Now You See Me, 2013, direção de Louis Leterrier e roteiro de Ed Solomon, Boaz Yakin e Edward Ricourt) que conta a história de três “cavalheiros” mestres do mundo da mágica, chamados de os “cavaleiros”. No filme original um agente do FBI e um detetive da Interpol seguem a pista desse grupo de ilusionistas que roubam bancos durante o show que apresentam e recompensam o público com o dinheiro. Neste 2º. capítulo, após enganarem o FBI, os três cavaleiros, Daniel Atlas (Jesse Eisenberg), Merritt McKinney (Woody Harrelson) e Jack Wilder (Dave Franco), os mesmos do primeiro filme, estão foragidos. Eles seguem as ordens de Dylan Rhodes (Mark Ruffalo), que segue trabalhando no FBI de forma a impedir os avanços na procura dos próprios cavaleiros. Paralelamente, o grupo planeja seu novo ato: desmascarar um jovem gênio da informática, cujo novo lançamento coleta os dados pessoais dos usuários. Entretanto, durante a revelação da farsa, os próprios cavaleiros são vítimas de um contragolpe, vindo de um inimigo desconhecido. Nesta segunda aventura, de tirar o fôlego, os níveis de ilusionismo são elevados e os cavaleiros são enviados a vários lugares do mundo. Após um ano em que despistaram o FBI e ganharam o respeito do público com seus números de mágica, eles ressurgem nesse novo espetáculo. Desta vez por conta própria pretendem expor as práticas sem ética desse magnata da tecnologia. O que não esperavam é que ao final do número fossem desmascarados e raptados por um inimigo desconhecido. Quem os manda raptar é Walter Mabry (Daniel Radcliffe), um prodígio que além de ameaçá-los os obriga a fazer um roubo quase impossível. O primeiro filme tem um roteiro impecável. Apesar de ter uma pequena retrospectiva este segundo filme pode ficar um tanto confuso para saber quem é quem e de que lado. Se puder assista ao primeiro também. A direção deste segundo filme é de Jon M. Chu (G. I.Joe: Retaliação, 2013; Justin Bieber: Never Say Never, 2011, e Ela Dança, Eu Danço 2, 2008), roteiro de Ed Solomon, Peter Chiarelli e Boaz Yakin. A trama tenta repetir a receita aumentando ainda mais a confusão, com praticamente o esmo elenco anterior, mas temperando ainda mais a história com a criação de uma rivalidade de egos entre os ilusionistas. A direção de Jon M. Chu torna quase possível acreditar que Daniel Atlas, Merritti McKinney e Jack Wilder tornaram-se realmente mágicos. A dosagem certa de efeitos especiais, em momentos bem escolhidos, não se privando de explicação para a “mágica”, mesmo quando claramente usados, parece realmente querer consertar o uso exacerbado desse recurso utilizado no primeiro filme, dando-nos cenas que nos fazem crer no puro ilusionismo. Para quem gosta de magia e ilusionismo há outros filmes muito interessantes também: O Grande Truque, Christopher Nolan, 2006, O Ilusionista, Neil Burger, 2006, Atos Que Desafiam a Morte, Gilliam Armstrong, 2007, Mágicos, Andrew O´Connor, 2007, Scoop, O Grande Furo, Woody Allen, 2006, A Máscara do Mágico, John Brahm, 1954, Houdini, O Homem Miraculoso, George Marshall, 1953...
Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Por que vale a pena “maratonar” a minissérie Yellowstone (2018-2023) e seus acompanhantes (1923 e 1883), no Paramount Network? Creio que pelo menos por duas razões: a primeira pela qualidade da produção e do roteiro. A segunda por ser uma série que desafia qualquer lógica no campo das produções cinematográficas. Ela é oriunda de um canal à margem da TV paga americana, a Paramount Network, e tem sido uma atração com audiências maiores do que, por exemplo, Walking Dead, em todos os lugares em que foi exibida. Até agora foram 5 temporadas, cada uma delas com cerca de 10 episódios, com aproximadamente de 60 minutos cada um, todas do mesmo nível com um elenco excelente e diálogos excepcionais! A Direção de arte e a Fotografia são lindas, o tema central da série é magnífico (de Brian Tyler) e a atuação de Kevin Costner é brilhante, como todo o elenco de apoio. Yellowstone é sem sombras de dúvidas uma das melhores séries dos últimos tempos. Para melhor aproveitar as minisséries você deve se munir de certo espírito norte-americano, pois é uma boa análise e filmagem de um anti-progressismo histórico e social. De certa maneira é um verdadeiro resgate do sonho norte-americano do valor da propriedade e do amor a um estilo de vida conservador na sua essência. Mergulhe neste universo e assista também a 1883 e 1923, “prequela” e “sequela”, respectivamente, de Yellowstone. Toda a trama, muito bem construída, se passa no estado de Montana, no centro-noroeste dos EUA. Yellowstone é uma minissérie americana de 2018, com 5 temporadas englobando os gêneros faroeste, crime, drama e suspense. Cada episódio tem em torno de 60 minutos de duração. Foi uma criação de John Linson e Taylor Sheridan (de Terra Selvagem, de 2017), que responde também pela direção e pelo roteiro. A produção é de Michael Friedman, Kevin Costner e outros. No elenco, Kevin Costner (retornando à TV depois da minissérie Hatfields & McCoys, de 2012) no papel de John Dutton. Sua presença nessa série é só mais uma prova de como a televisão ganhou relevância nas duas últimas décadas. No elenco, ainda Brecken Merrill (Tate Dutton), Luke Grimes (Kayce Dutton), Kelly Reilly (Beth Dutton), Wes Bentley (Jamie Dutton), Cole Hauser (Rip Wheeler), Kelsey Asbille (Monica Dutton) e outros. 1923 (2022-2023). Minissérie com 9 episódios de aproximadamente 1h cada. Criação de Taylor Sheridan e no elenco conta com Harrison Ford (Jacob Dutton), Helen Mirren (Cara Dutton), Brandon Sklenar (Spencer Dutton) e outros. Nesta “sequela” os Dutton enfrentam um novo conjunto de desafios no início do século 20, que inclue a ascenção da expansão ocidental e a Grande Depressão americana. 1883 (2021-2022). Minissérie com 10 episódios de cerca de 60 minutos cada um. É também criação de Taylor Sheridan e praticamente a mesma equipe de produção. No elenco Sam Elliot (Shea Brennan), Tim McGraw (James Dutton), Faith Hill (Margaret Dutton), Isabel May (Elsa Dutton) e outros. Nesta “prequela” a família Dutton é seguida na viagem às Grandes Planícies até o último bastião da América Indomada. Em Yellowstone, Costner faz John Dutton, um poderoso latifundiário de Montana. Ele herdou a fazenda que seu pai, por sua vez, recebeu do seu avô. John é a sexta geração da família na propriedade. De uma hora para a outra, a solidez daquele mundo ancestral sofre ameaças com a chegada de especuladores à região. Além deles, tribos indígenas ambicionam ocupar o lugar. A vida dos Dutton fica muito difícil. O enredo trata desses conflitos e de dramas familiares. No Brasil costumamos ter uma visão “glamourizada” do campo nos EUA. Yellowstone atende a essa idealização. Há paisagens deslumbrantes. Os “caubóis”, capazes de montar cavalos selvagens e mostrar impressionante habilidade para laçar os animais durante a corrida, encantam. Os figurinos — calças jeans com camisas de flanela, botas bordadas etc. — e a cenografia são um atrativo à parte.
Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Vincent Van Gogh (1853-1890) parece ter entrado na moda nos últimos tempos. Dois filmes, dramas biográficos sobre os últimos anos de vida de Vincent Van Gogh estão no Prime Video. Um deles, realizado por Julian Schnabel, em 2018 e o outro realizado em 2017 por Dorota Kobiela e Hugh Welchman, este na forma de animação, muito interessante por sinal. Ao mesmo tempo, percorrendo o Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro e agora em Recife, há uma exposição imersiva de altíssima qualidade sobre Van Gogh (está no Shopping Rio Mar). Van Gogh, considerado uma das figuras mais famosas e influentes da história da arte ocidental, criou mais de dois mil trabalhos ao longo de pouquíssimo tempo, sendo que 860 pinturas a óleo foram, em sua maioria, concluídas nos seus últimos dois anos de vida! As suas obras incluem paisagens, naturezas-mortas, retratos e autorretratos, caracterizados por cores dramáticas e vibrantes, além de pinceladas inquestionavelmente expressivas. Antes de se dedicar à pintura, o holandês Vincent Van Gogh teve uma breve carreira como pastor evangelista. Em Paris, para onde se mudou em 1886, cruzou com artistas que tiveram uma enorme influência sobre si, entre eles Monet, Pissarro, Degas e Gauguin. Dois anos mais tarde, partiu para Arles, Sul da França, onde pintou algumas das suas obras mais importantes, marcadas pela solidão e desordem da sua vida. Afundado na depressão, o pintor acabou por morrer a 29 de Julho de 1890, como consequência de um tiro que atingiu o seu peito, dado por ele mesmo, ou por terceiros, até hoje permanecendo a dúvida. Vendeu um único quadro em toda a sua vida, sem nunca ter tido o reconhecimento e prestígio que viria a conquistar anos após a sua morte. Hoje é considerado um dos maiores artistas da arte ocidental, mas foi só após a sua partida que obteve o devido reconhecimento. A sua primeira exposição só foi realizada 10 anos após a sua morte. Seja por suas pinceladas e estilo inconfundíveis, ou pela vida marcada por doenças mentais e tragédias, Van Gogh é a personificação máxima do gênio incompreendido. A beleza e sentimento que emanam das telas pós-impressionistas já são magnéticas por si só, mas é na trajetória pessoal do pintor que encontramos as peças que formam o quebra-cabeça do imaginário popular. Ele deixou contribuições importantes para a arte moderna, mas sua influência não se resume aos quadros. O cinema também bebe da fonte de sua estética e história, originando grandes trabalhos na tela grande. São pelo menos 8 filmes entre curtas- e longas-metragens: Van Gogh, de Alain Resnais, 1948,filme biográfico que é o primeiro a falar sobre o artista e conta sua história apenas por meio de suas pinturas e ilustrações; Sede de Viver, Vincent Minnelli, 1956, o artista foi interpretado por Kirk Douglas, e tem uma intensa relação com o pintor Paul Gauguin, vivido por Anthony Quinn. Douglas e Quinn ganham um Globo de Ouro e um Oscar, respectivamente, por suas grandes atuações; Sonhos, de Akira Kurosawa, 1990, uma série de curtas seguindo a temática central de relacionamento do homem com o meio ambiente, baseado nos sonhos reais do autor; Vincent & Theo, 1990, trata dos últimos anos da vida adulta e das relações entre os dois irmãos; Van Gogh de Maurice Pialat, 1991; Van Gogh. Colorindo com Palavras, de Andrew Hutton, 2010, filme para televisão contando a história de Van Gogh através das suas próprias palavras apostas nas cartas endereçadas a Theo; e mais os dois comentados em seguida. Os dois filmes que comento são Com Amor, Van Gogh, de Dorota Kobiela e Hugh Welchman e No Portal da Eternidade, de Julian Schnabel. O primeiro é uma verdadeira declaração de amor ao trabalho do artista. A animação biográfica é o primeiro filme totalmente pintado, envolvendo 115 pintores. A técnica escolhida foi o óleo sobre tela, a mesma utilizada por Van Gogh. O segundo, com atuação primorosa de Willem Dafoe, revela os últimos anos do pintor em Arles, no sul da França. A obra vai além da imagem do artista torturado e busca compreender a mente adoecida e sua perspectiva de mundo. Com amor, Van Gogh, é de Dorota Kobiela e Hugh Welchman. Este filme traz uma novidade: é uma animação feita inteiramente por pinturas. A história é fictícia e mostra o filho do carteiro da cidade da qual Vincent fora expulso (Armand Roulin, interpretado por Douglas Booth) tentando entregar uma última carta do pintor ao seu irmão, Theo. Durante o longa, acompanhamos Roulin em uma jornada para descobrir como foram os últimos dias de Van Gogh. Cada personagem é baseado em retratos feitos pelo pintor, e a animação é inspirada nos traços e nas cores das telas do holandês. Usando a técnica de animação a partir de pinturas a óleo, técnica usada por Vincent, o filme é inspirado em mais de 400 pinturas do artista e traz paisagens e cenários com as cores típicas e vivas. Ao todo, 125 pintores trabalharam em cerca de 65 mil frames, sendo que os atores que dão voz aos personagens também precisaram servir de modelo para os mesmos. Além do trabalho artístico deslumbrante, a história também prende a atenção por seus toques de suspense, pois a pergunta que embala a narrativa é: como Van Gogh morreu? Foi suicídio ou assassinato? Assim, além de apresentar a vida e as obras, vemos essa “investigação” feita pelo personagem Armand Roulin. At Eternit’s Gate é um drama biográfico sobre os últimos anos de vida de Vincent Van Gogh, realizado por Julian Schnabel. A narrativa retrata Van Gogh em Arles, no sul da França. Lá, ele vive seus últimos dias e, talvez, sua fase mais conturbada, consequência do avanço de sua doença. O filme de 2018 é dirigido pelo norte-americano Julian Schnabel e fez com que Willem Dafoe ganhasse o prêmio de Melhor Ator no Festival de Veneza por sua interpretação como Vincent. O longa-metragem, é poético, não contém muitos diálogos, e as filmagens tortas e embaçadas davam uma ideia de como o pintor enxergava o mundo a seu redor. Van Gogh pintou mais de 2 mil quadros, entre paisagens, elementos da natureza, retratos, autorretratos, cafés, representações de camponeses, flores (como o girassol, que ele tanto adorava). Também teve inspiração na cultura japonesa. Seu legado inclui mais de 800 pinturas a óleo, especialmente nos dois últimos anos de sua vida. Se em vida sofreu com a falta de dinheiro, hoje suas obras figuram entre as mais caras do mundo. À época já tinha uma visão de mundo muito próximo da realidade, como atesta um trecho de uma carta dele enviada ao seu irmão Theo:
“Agora vivemos num mundo em que a pintura está tomada de pessoas que ganham muito dinheiro. […] E não pense você que estou imaginando coisas. As pessoas pagam muito pela a obra quando o próprio pintor se suicida.” [CARTA DE VAN GOGH A THEO, ARLES, ENTRE 16 E 20 DE JUNHO DE 1888]. Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Há quem curta produções dramáticas seja no cinema, no teatro ou na TV e a admiração por esse gênero vêm desde quando Shakespeare compartilhou com o mundo suas narrativas. Isso porque esse gênero certamente mexe muito com o emocional dos espectadores. Por exemplo, a peça Romeu e Julieta, seja no teatro, ou no cinema, ou uma história intensa de amor como Love Story: Uma História de Amor no cinema são grandes melodramas românticos. Mais recentemente ainda, se você não se emocionou com outro representante do gênero como A Culpa é das Estrelas você definitivamente não aprecia este gênero. Mas faça mais um esforço e acompanhe a história de Recomeço, que junta no mesmo “pacote” melodrama, amor e gastronomia compondo uma bela história de amor com toques de humor e viagens também. A minissérie de 2021, com oito episódios, foi inspirada em uma história verídica que narra a experiência vivida pela atriz norte-americana Tembi Locke (trabalhou nas séries Eureka, Sliders, Castle, The Mentalist e Bones e é autora do livro de memórias From Scratch: A Memoir of Love, Sicily, and Finding Home). From Scratch foi a base do roteiro para o filme. Ela enfrentou a mesma situação narrada na obra em meados dos anos 2000, ano em que conheceu e se apaixonou perdidamente por um italiano que foi responsável por mudar totalmente a sua vida. Obviamente, agora como obra de ficção realidades e nomes são alterados: Tembi agora se chama Amy e ela é artista plástica em vez de se dedicar ao ramo do entretenimento como Tembi o fazia. Mas não é o que importa agora e sim, a minissérie da Netflix. Recomeço é uma minissérie de televisão de 2022 da grade da Netflix. Como vimos, na série uma artista encontra o amor na Itália e embarca em uma transformadora jornada de perda, resiliência e esperança que vai ultrapassar culturas e continentes. A trama acontece na Itália e nos Estados Unidos e tem como foco uma história de amor e seus percalços. A direção coube a Nzingha Stewart (5 episódios), que trabalhou nas séries Maid, How to Get Away With a Murderer e Grey's Anatomy e Dennie Gordon (3 episódios) e o roteiro foi escrito por uma equipe de 13 pessoas, dentre os quais J. J. Braider, Jason Coffey, Attica Locke, Amy Wang e a própria Tembi Locke. A produção também foi multifacetada destacando-se, dentre eles, Richard Abate, Zoe Saldana, Nzingha Stewart e Reese Witherspoon. A música, bonita e tocante, é de Laura Karpman e Raphael Saadiq. No elenco, destacam-se Zoe Saldana (Amy), de Avatar e Guardiões da Galáxia, Eugenio Mastrandea (Lino Ortolano), Danielle Deadwyler (Zora Wheeker), Judith Scott (Maxine Wheeler), Kellita Smith (Lynn Wheeler) e Lucia Sardo (Filomena Ortolano). A narrativa retrata a vida de Amy, uma jovem mulher que decide sair debaixo da grande pressão exercida por sua família para que ela fizesse faculdade de Direito. Diante disso, ela se encaminha para a Itália a fim de passar um tempo por lá e fazer um curso breve de artes plásticas. É nesse momento, então, que ela encontra Lino, um siciliano apaixonado por sua profissão (chef de cozinha) que acaba se apaixonando perdidamente por Amy. O relacionamento dos dois enfrenta diversos desafios, incluindo o choque cultural, mas também é temperado por um sentimento de leveza e por pitadas de humor. No decorrer da produção, a minissérie vai desenrolando esse incrível e trágico romance até chegar ao ponto em que Lino é diagnosticado com uma doença grave. Quando isso acontece, o relacionamento de ambos é posto em risco. É então que as duas famílias se unem para formar um grande porto seguro, mostrando que o amor realmente é capaz de atravessar qualquer fronteira. Em suma, embora seja bem melodramática, a produção consegue trazer à tona algo maduro e elegante, além de sensato. |
AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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