Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Em novembro de 2016, foi anunciado que a Paramount Pictures participara da aquisição de direitos de um drama sobre Dick Cheney que foi de executivo-chefe da Halliburton para o vice-presidente mais poderoso da história norte-americana, com um roteiro e direção sob o comando de Adam McKay. O filme seria e foi produzido por Brad Pitt, Dede Gardner e Jeremy Kleiner, com os parceiros Gary Sanchez, Will Ferrell e Kevin Messick. Christian Bale assinou contrato para interpretar Cheney no drama, Bill Pullman entrou para o elenco como Nelson Rockefeller, Sam Rockwell foi escalado para interpretar George W. Bush, Tyler Perry e Lily Rabe entraram para o elenco interpretando Colin Powell e Liz Cheney, respectivamente. Dick Cheney foi o vice-presidente mais famoso do mundo, principalmente pela sua forte influência no governo de George W. Bush entre os anos de 2001 e 2009, Sua figura e decisões tomadas, que tiveram forte impacto, como a questão com o Iraque, o tornaram uma pessoa polêmica e que divide opiniões até hoje. O filme recebeu 7 indicações ao Oscar desse ano incluindo o de melhor filme,diretor e roteiro adaptado,e duas pessoas fizeram com que o resultado final tenha sido tão bom: são eles o diretor Adam Mckay ( de A Grande Aposta) que também escreve o texto e o excepcional Christian Bale. Primeiramente a direção é muito precisa, reúne os pontos diversos que envolvem a gestão e também a vida particular de Dick. Possui uma boa dosagem de passagem do tempo e isso se leva em conta ao roteiro muito bom que une os pontos de forma um pouco cômica, mas sem deixar de fazer críticas discretas. O bom elenco é comandado por Christian Bale que dá a vida ao seu personagem (ganhou o Globo de Ouro, Critics´Choice Awards e o Oscar). Bale está fisicamente irreconhecível, acima do peso e com um trabalho de maquiagem excelente. Ele é um dos pontos que ajudam, com a sua atuação, transmitir toda a antipatia e o jeito pouco aberto e identificável de Cheney. Vice é o retrato de um político polêmico e poderoso que teve alta influência na política americana que conta com um trabalho muito destacável. Vice é um filme que retrata com maestria a fase embrionária da direita populista nos EUA, e as consequências de sua ascensão no curso da política mundial, principalmente por influência do ex-deputado Dick Cheney durante seu tempo como vice-presidente. Vice é um filme que tem um lado, sem dúvida, e por vezes o desgosto do realizador pelo personagem retratado fica tão evidente que o público não consegue enxergar Cheney como nada além de uma caricatura, e não um personagem complexo como qualquer outro. Christian Bale está excelente, numa performance que exala dedicação e estudo.Outros destaques são Amy Adams como a assustadora senhora Cheney e Steve Carrell como o abominável Donald Rumsfeld. Um thriller político muito bom, mas que podia ter sido bem melhor se trabalhasse melhor a complexidade nas motivações de Cheney e do porque para o discurso populista ter tanto eco nas classes baixas de norte-americanos brancos. O filme se apresenta como uma cinebiografia da trajetória política de Cheney, mostrando o seu início como assessor e sua transição para outros cargos, como deputado federal, chefe de gabinete presidencial e, por fim, vice-presidente de George W. Bush (papel de Sam Rockwell, de Três Anúncios para um Crime). Cheney, em toda sua carreira contou com a influência do Secretário de Defesa Donald Rumsfeld (Steve Carell, de Querido Menino) e com o apoio da esposa Lynne Cheney (Amy Adams, de Liga da Justiça). Os bastidores do poder na Casa Branca são satirizados ao abordar o quebra-cabeça ardiloso para a formação de governos, aprovação ou rejeição de leis e concretização ilegal de interesses individuais. Tais práticas encontram seu ápice na narrativa durante a chamada “guerra ao terror” contra o terrorismo após os atentados às Torres Gêmeas em 2001, marcada pela deturpação de leis através de interpretações muito particulares e imorais. Dick Cheney é retratado como um personagem patético: na primeira cena, está bêbado e gritando. Trata-se de uma fase fracassada de sua vida, em que parecia fadado à mediocridade. Após a ajuda da esposa, reergue-se e entra na vida política, tornando-se bem-sucedido ao agradar as pessoas certas e construir alianças importantes. Quando chega à vice-presidência, já desenvolveu uma personalidade fria, calculista e inescrupulosa, capaz das piores atrocidades de maneira furtiva. Muito da composição do personagem se deve a Christian Bale, que desaparece por trás de uma belíssima atuação: a voz rouca, a pouca articulação dos lábios, o ganho de peso e a gradual inclinação do corpo devido à idade. O trabalho de maquiagem e penteado também é fundamental, indicando a passagem de tempo, com a crescente calvície e a face volumosa. O mundo à sua volta reforça a falta de escrúpulos graças às pessoas desagradáveis que o povoam. Lynne Cheney, vivida por Amy Adams, é o inabalável suporte do marido, que o instiga a conquistar e a manter o poder a qualquer custo, ao estilo de Claire Underwood da série House of Cards. Donald Rumsfeld, interpretado por Steve Carell, é um sujeito truculento e grosseiro que gera rápida antipatia por agir dentro de uma moral própria deturpada. E George W. Bush, vivido por Sam Rockwell, é um jovem inconsequente, desconhecedor das engrenagens da política e tratado por Dick como uma marionete que possibilita ao vice, de fato, governar o país. Em cada um desses atores, a maquiagem para envelhecimento também é muito eficiente, dando-lhes cabelos grisalhos e rugas na pele. A linguagem dinâmica típica de Adam McKay aparece principalmente na montagem. Imagens não relacionadas à trama são inseridas através de cortes rápidos para criar metáforas ou piadas que explicam as ações dos personagens, acentuam as atrocidades feitas na política ou ridicularizam as figuras reais. Além disso, flashbacks e projeções de um futuro hipotético oferecem momentos diferentes da vida de Dick e mantêm a fluidez do ritmo, apesar das mais de duas horas de projeção. Outro elemento que define o humor geral é a própria direção. O deboche já aparece na abertura, com o letreiro que situa a cinebiografia de Dick Cheney e se estende na exibição de personagens em momentos nada simpáticos – por exemplo, o gargarejo do vice em um plano mais longo do que o usual. McKay também resgata dois recursos presentes em A Grande Aposta: o uso de diferentes formatos de imagem, como o próprio aspecto cinematográfico, registros reais de arquivo e a estética jornalística; e o emprego da narração em off e da quebra da quarta parede (quando o personagem fala diretamente para a câmera), responsáveis por comentários irônicos e exposições, por vezes didáticas até demais, dos acontecimentos. Enfim, Vice é uma comédia absurda baseada em fatos reais que se apoia em uma edição dinâmica, um roteiro afiado e atuações fortes para contar a história da política norte-americana de uma forma engraçada e, ao mesmo tempo, reflexiva.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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