Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Recentemente revi o filme Três Homens em Conflito no Prime Video da Amazon em sua versão em inglês estendida, uma obra restaurada de som e imagem realizada em 2003. Um trabalho competente da Cineteca Nazionale, The Film Foundation e Triage Motion Pictures Services aproximando esta versão, agora com 2h 58min, do original italiano de 1967. Como consequência “tive” de rever o conjunto das duas trilogias, obras primas de Sergio Leone. A primeira delas, a Trilogia dos Dólares, uma obra que poderia ser creditada a ele, a Clint Eastwood, novato no cinema ainda, e a Ennio Morricone com a sua música e temas envolventes. A segunda, a Trilogia da América, três outros filmes grandiosos fazendo um retrato de corpo inteiro de três momentos da história americana. Sergio Leone, o italiano considerado o "papa" do gênero dito western spagheti (veremos mais tarde, no entanto, que Leone entende de western e de América como poucos) trouxe um marco para sua carreira ao introduzir para o público o clássico herói do bang-bang sem nome interpretado magistralmente por Clint Eastwood em seus primeiros papéis, além de trazer outro status para o gênero. Clint Eastwood, na figura do cavaleiro solitário e sem nome e trajando sempre uma manta por cima da camisa, sempre com um cigarro no canto da boca e com movimentações mínimas em cena, esteve nos diferentes filmes como um personagem e em cada um deles recebeu um nome diferente (Joe, Monco e Blondie). Esporadicamente estabelecendo alguma conexão entre os três filmes, a trilogia dos dólares não precisa ser acompanhada na sua ordem cronológica nem possui a ambiciosa narrativa seriada como a de alguns longas metragens de hoje em dia, mas é interessante entender algumas das marcas que lhe confere uma unidade. Através dos filmes Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito, tanto Eastwood quanto Leone consolidaram suas carreiras em Hollywood e reafirmaram um imaginário sobre o cowboy americano. Por um Punhado de Dólares (Per um Pugno di Dollari) é o primeiro filme da trilogia tendo sido lançado em 1964. Apresenta Eastwood como um andarilho que se instala numa cidadezinha habitada eminentemente por mexicanos. Lá dois grupos de criminosos rivais disputam o controle e o personagem de Eastwood começa a manipulá-los até o ponto em que passa a ser alvo de ambos. É um filme que estabelece as bases da parceria do diretor com o ator, portanto, naturalmente de ambições reduzidas no tratamento da sua história, se restringindo à oferta de uma narrativa que acompanha a trajetória do herói relutante interpretado pelo astro, mas ainda assim trazendo lampejos da ambição estética do projeto. Repleto de recursos que se tornaram assinatura no gênero, como as cenas de duelo marcadas pelo silêncio do cenário deserto e dos planos que registram com atenção partes dos corpos das personagens como olhos e mãos, Por um Punhado de Dólares é uma ótima introdução ao universo, especialmente para iniciantes. Além de Clint, como Joe, são personagens importantes Gian Maria Volonté (Ramón Rojo) e Marianne Koch, como Marisol. A música, belíssima, é de Ennio Morricone e o roteiro de Adriano Bolzoni, Victor Andrés Catena e o próprio Sergio Leone (aqui deve ser feita uma observação importante que é a da ideia do filme ter se originado do filme Yojimbo, de Akira Kurosawa). O segundo longa da trilogia, Por uns Dólares a Mais (Per Qualche Dollaro In Piú, For a Few Dollars More), estreou em 1965. No centro da sua narrativa está mais uma vez o personagem de Eastwood. Desta vez, o caçador de recompensas está atrás de um perigoso bandido recém-fugido da cadeia conhecido como El Indio (Gian Maria Volonté). Atrás dele também está o coronel Douglas Mortimer (Lee Van Cleef), habilidoso com pistolas e igualmente interessado na captura do ladrão de bancos. Em Por uns Dólares a Mais vemos o personagem de Eastwood agir em dupla, no caso em questão o coronel Mortimer interpretado por Lee Van Cleef, ator que retornaria no terceiro filme. O que torna o segundo longa um pouco superior ao primeiro é a dinâmica que se estabelece entre a dupla central e a posterior tensão quando ambos se infiltram no bando de El Indio. Diferente do anterior, Leone insere um drama familiar com o personagem de Van Cleef conferindo outra possibilidade de comunicação do projeto com seu público, a via da emoção. O roteiro bem estruturado é de Sergio Leone, Fulvio Morcella e Luciano Vincenzoni. A música é, de novo, de Ennio Morricone. No terceiro filme, Leone eleva seu trabalho ao nível da obra-prima com Três Homens em Conflito, (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo) trazendo Eastwood como "Blondie". O ator divide o protagonismo das telas com Lee Van Cleef (Sentenza), que desta vez retornava como o vilão "Olhos de Anjo", e Eli Wallach, que vivia o trapaceiro Tuco numa desempenho instantaneamente carismático. A trilha de Enio Morricone, que retorna depois de Por uns Dólares a Mais, e o contexto da guerra civil americana servem como ponte para a construção de uma narrativa potente sobre a busca de alguns sacos de moedas de ouro na cova de um cemitério. Leone é co-autor, junto com Luciano Vincenzoni, de um roteiro exemplar que consegue apresentar muito bem seus três personagens (o bom, o mau e o feio do título original) e equilibrar sua história entre os seus diversos focos de atenção, além de trazer os acontecimentos históricos à serviço de sua crescente ascensão dramática num desfecho que é o clímax da trilogia e, definitivamente, seu melhor capítulo.
A Trilogia dos Dólares (em italiano: Trilogia del dollaro) e também conhecida como Trilogia do Homem Sem Nome, é uma série de filmes, como vimos, composta por três filmes western spaghetti. Os filmes Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflito (1966), apesar de terem sido realizados num intervalo de três anos conseguem manter uma unidade coerente. Os três filmes são consistentemente listados entre os melhores filmes western de todos os tempos. Embora não fosse a intenção de Leone, os três filmes passaram a ser considerados uma trilogia, seguindo as façanhas do mesmo personagem chamado "Homem Sem Nome" (retratado por Clint Eastwood, vestindo as mesmas roupas e agindo com os mesmos maneirismos). O conceito "Homem Sem Nome" foi inventado pela distribuidora americana United Artists, procurando um forte ângulo para vender filmes como uma trilogia. O personagem de Eastwood realmente tem um nome (embora um apelido) e um diferente em cada filme, como vimos: "Joe", "Manco" e "Lourinho", respectivamente. Os únicos atores que aparecem nos três filmes além de Eastwood são Mario Brega, Aldo Sambrell, Benito Stefanelli e Lorenzo Robledo. Quatro outros atores aparecem duas vezes na trilogia, interpretando personagens diferentes: Lee Van Cleef, Gian Maria Volontè, Luigi Pistilli e Joseph Egger. Clint Eastwood refletindo sobre o impacto dos filmes, em uma entrevista, diz o seguinte: "Eu acho que [os filmes de Leone] mudaram o estilo, a abordagem dos westerns [em Hollywood]. ... Eles tornaram a violência e o aspecto de tiro um pouco maior do que a vida, e eles tiveram uma ótima música e novos tipos de pontuação. ... Foram histórias que não tinham sido usadas em outros westerns. Eles apenas tiveram um olhar e um estilo que era um pouco diferente na época: eu não acho que nenhum deles fosse uma história clássica - como [John Wayne's, 1956] The Searchers ou algo assim — eles eram mais fragmentados, episódicos, seguindo o personagem central através de vários pequenos episódios." Apenas para fazer referência, a outra trilogia de Sergio Leone, igualmente extraordinária, é a Trilogia da América, ou Trilogia Americana. Ela é composta pelos filmes Era uma Vez na América (Once Upon a Time in America), que é a última parte da trilogia, realizada em 1984, com 3h 49 min, contando no elenco com Roberto de Niro, James Woods, Tuesday Weld, Joe Pesci, Danny Aielo. O belo roteiro, baseado no livro “The Hoods”, de Harry Grey, foi de Leonardo Benvenuti e Piero De Bernardi. Música, magistral, de Ennio Morricone. Sergio Leon passou treze anos preparando o clássico Era uma vez na América, um épico ganguerista lançado em 1984 no Festival de Cannes. O primeiro da trilogia foi Era uma Vez no Oeste (C´era uma Volta Il West / Once Upon a Time in the West), 1968, com 2h 45 min. No elenco, um Henry Fonda sinistro e mau, Charles Bronson, Jason Robards, Claudia Cardinale, lindíssima. Roteiro de Sergio Donati e Sergio Leone sobre uma história de Dario Argento. Música: Ennio Morricone. O segundo filme da Trilogia da América é Quando Explode a Vingança (Giù la testa / Duck, You Sucker!),1971, 2h 37 min. No elenco, Rod Steiger e James Coburn, impecáveis, Romolo Valli, Maria Monti. Roteiro de Sergio Leone, Sergio Donati e Luciano Vincenzoni. A música, mais uma vez, a cargo de Ennio Morricone. A versão de Era uma Vez na América, exibida nos cinemas americanos, tinha apenas 139 minutos, cerca de uma hora e meia a menos que a versão completa do filme. Após muitos protestos do público e da crítica especializada, o filme chegou a ser exibido na TV a cabo norte-americana em uma versão de 192 minutos. Já em vídeo foi lançada uma versão um pouco maior, com 227 minutos. A versão finalmente lançada e registrada tem 229 min. Em 1996, Sergio Leone foi selecionado como um dos 50 maiores diretores do cinema mundial pela Entertainment Weekly.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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