Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] O Vendedor de Sonhos é um filme nacional de autoajuda, que já me dá arrepios só por isso! Mas, vamos lá, o filme é de Jayme Monjardim, realizado em 2016 e que tem como inspiração (ou roteiro base) o livro homônimo de Augusto Cury, um dos autores campeões de livros justamente do gênero autoajuda, com quase cem edições variadas, de cerca de 30 títulos diferentes, e mais de 30 milhões de livros vendidos. Sem nenhuma dúvida, nesse caso é autoajuda para ele mesmo... Para evitar que os leitores percam seu tempo lendo algo que será previsível de princípio, adianto que não sou fã do gênero autoajuda e até ouso dizer que não acredito nos seus preceitos. Ou seja, não consigo ver nenhum propósito nessa linha a não ser a de enriquecer os seus autores, tipo augustos e paulos da vida... O filme é um drama, com forte apoio de e na espiritualidade e com intermináveis 98 minutos de duração. A direção, como já disse, é de Jayme Monjardim, diretor e produtor de filmes, séries e muitas novelas (Olga, de 2004; A Casa das Sete Mulheres, de 2008; O Clone, de 2001; Terra Nostra, de 1999; Pantanal, de 1990). O roteiro é de L. G. Bayão e Tubaldini Shelling, sobre o livro O Vendedor de Sonhos, de Augusto Cury. O filme tenta trazer uma mensagem muito poderosa sobre alguns temas caros da modernidade: depressão, sobrevivência e superação. Há dezenas de outros filmes de temática semelhante e bem melhores que esse.
A trama mostra o momento trágico de um psicólogo decepcionado com a vida e que tenta o suicídio, mas é impedido de cometer o ato final pela intervenção de um sem-teto chamado de Mestre. Uma amizade surge entre eles e logo estarão os dois na tarefa de salvar pessoas apresentando um novo caminho para se viver... Utilizando aos borbotões frases de efeito em cada um dos momentos mais "tocantes", os diálogos tem a profundidade de um pires. Os atores até que se esforçam: Dan Stulbach, como Júlio César, o psicólogo frustrado, César Troncoso, como Mellon, o Mestre, ou Dani Antunes, como Paula... mas não convencem. Em suma, o filme é previsível, chato, com muitas falas repetitivas e piegas. Não é difícil saber o que acontecerá na cena seguinte. Como único ponto positivo, destaco a fotografia de Nonato Estrela que é plasticamente impecável ao mostrar a cidade de São Paulo por ângulos inovadores. O Vendedor de Sonhos está na grade da Netflix fazendo um sucesso que, para mim, é inacreditável, estando entre os 10 filmes mais vistos... o que acontece não só no Brasil.
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Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] É sempre bom saber que o cinema existe e está bem vivo também fora do circuito EUA-Europa. Mesmo que com pouca frequência, ainda conseguimos assistir a produções do Irã, do Japão ou da Coréia que chegam no circuito comercial do Brasil (nem é possível se atrever a falar do "nosso" circuito potiguar de exibição, praticamente inexistente). Atividades fora do circuito comercial ainda existem também, graças às boas ações do movimento cineclubista, exemplificada em nosso estado pela ação do Cineclube Natal. Graças também aos serviços de streaming de vários circuitos comerciais, é possível hoje se ver produções até da Islândia e da Turquia. Neste caso, recentemente entrou para a grade de exibição da Netflix duas boas produções da Turquia, uma série e uma minissérie de temas históricos. A série de TV, de ação, aventura e drama, O Grande Guerreiro Otomano, criada por Mehmet Bozdag, foi iniciada em 2014 e encerrou a sua 5ª temporada em 2019. Durante esse tempo, já teve três diretores diferentes, Meton Gunay, Akif Ozkan e Hajam Arslan. É falada em turco e em árabe. Foi filmada na Vila de Riva, em Beykoz, Istambul, na Turquia, e estreou no canal TRT 1, TV da Turquia, em dezembro de 2014. A trama da série retrata o período anterior ao Império Otomano, acompanhando a vida de Ertogrul, pai do fundador do Império Otomano, e líder da tribo dos turcos oguzes. Seu filho, Mehmed II (Maomé II), será o responsável pela expansão do Império Otomano anos mais tarde no século XIII, a partir de 1453. É exatamente deste período, a fundação do Império Otomano, que trata a minissérie em seis episódios Ascensão: Império Otomano (Rise of Empires: Ottoman no original), também na grade da Netflix. A minissérie é um docudrama, misturando depoimentos de historiadores e o drama ficcional contando parte da história de Maomé II. Ela foi produzida e dirigida pelo diretor turco Emre Sahin, nascido em Istambul, de pais turcos e americanos. Sahin tem 18 filmes dirigidos e 53 produzidos, entre filmes e séries para TV. A maior parte deles é do gênero documentário. Entre seus filmes, destaca-se Takim: Mahalle Adkins!, de 2015, 40, de 2009 e o curta-metragem Canta, de 2005. A expansão do Império Otomano ocorreu entre os séculos XIV e XV na região da Anatólia, na Ásia Menor, a partir das constantes guerras contra o Império Bizantino. Ele foi um dos mais duradouros e poderosos da história da Humanidade, com início no século XI a partir do momento em que tribos nômades turcas se fixam na Anatólia. O Império, após a sua fixação e expansão, a partir de 1453, com a tomada de Constantinopla, vai entrar em declínio somente após a Primeira Guerra Mundial, no início da década de 1920. No intuito de compreender melhor esse momento da história, que marca a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a minissérie documental Ascensão: Império Otomano se fixa na batalha épica da tomada de Constantinopla entre o imperador romano Constantino XI e o sultão otomano Maomé II, filho do imperador otomano Murad II. A História conta que foram 23 exércitos de governantes anteriores que tentaram possuir as terras dos romanos, inclusive Ertugrul. Nenhum teve êxito. Constantinopla era uma cidade de defesas intransponíveis, com um fosso profundo, várias muralhas seguidas (quatro) extremamente reforçadas, e um comprimento total de 22 km. Elas foram construídas no século V pelo imperador Teodósio II e estavam entre as mais fortes do mundo. A minissérie narra a história deste embate, destacando ações e estratégias de combate de cada um dos lados, durante os 24 dias de um cerco implacável exercido pelos otomanos. O imperador Constantino era visto como um ser além do céu e da terra. Por outro lado, Maomé II, como um jovem imaturo, com apenas 21 anos de idade, ambicioso demais. Isso é visto quando ele chega em Adrianópolis, a capital do Império Otomano, para reivindicar o trono, sem saber se será nomeado como o novo sultão, após a morte de seu pai. Como as muralhas eram praticamente intransponíveis, quando chegou a sua vez, Mehmed II precisou desenvolver uma nova estratégia de combate. Mandou construir canhões (70 ao todo) de dimensões nunca vistas até então, com cerca de 10 metros de comprimento e grande diâmetro de boca. Com eles, o seu exército realizou um bombardeio sistemático das muralhas, dia e noite, durante os 24 dias de cerco. Mesmo não conseguindo destruí-las, conseguiu abrir buracos enormes na estrutura. Além disso, conseguiu dispor 70 navios armados, que foram colocados estrategicamente numa outra parte da muralha. Todos os navios foram transportados por terra numa única noite. Do outro lado, no exército romano, havia uma figura impressionante, um mercenário genovês, Giovanni Giustiniani Longo e seus poucos soldados, todos mercenários também, mas destemidos e guerreiros, e especialistas na defesa de muralhas. Por isso eram contratados a peso de ouro pelos governantes da ocasião. Graças a eles, os romanos conseguiram se segurar em Constantinopla por mais tempo do que os próprios otomanos esperavam.
Segundo os documentos de época, no fim das contas, a nova estratégia de guerra com os novos canhões foram decisivos no resultado final da batalha, com a vitória de Maomé II e seu exército. É importante destacar também a ação de outra força no exército otomano, os famosos e temíveis Janissarios. Esta era uma força fanática que protegia o sultão, formada por ex-escravos do mundo cristão que eram levados quando crianças, convertidos ao islamismo e treinados a vida inteira para serem o exército mais temido do sultão. Nessa batalha às portas de Constantinopla, uma coisa ficou muito clara. Cada lado deu o melhor de si para que a guerra perdurasse até quando fosse possível e necessário, ou até o esgotamento do inimigo. No fim das contas, a estratégia de Mehmed II com seus canhões e o seu exército de mais de 80 mil soldados sob o seu comando, o levou à vitória, mesmo sendo muito jovem. A sua vitória significou o fim de um império, o Bizantino, de uma era, Idade Média para a Idade Moderna, e a expansão do Império Otomano pelos próximos 300 anos. Mehmed II, muda o nome da cidade de Constantinopla para Istambul, que permanece até hoje. Transformou-se na capital e no centro do mundo à época. A filmagem da minissérie se deu em diversos locais de Istambul e além de Sahin, diretor da minissérie, contou com atores renomados turcos (não para nós, infelizmente) como Cem Yrgit Uzumoglu, Selim Bayraktar, Burkan Sokullu e Osman Sonant. Foi produzida por Jaeger Devem em parceria com a STX Entertainment e assessoria dos historiadores A. M. Celal Sengor e Emrah Safa Gurkan e outros estudiosos. Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] Lindo filme: bela fotografia e um bom roteiro fazem desta produção de 2017, de Ritesh Barra, muito bem recebido no Festival de Veneza, uma bela surpresa. É um filme amoroso, de muita sensibilidade sobre a velhice, solidão, e porquê não, também arrojo. Ritesh é um diretor apenas mediano, de poucos trabalho, com apenas nove filmes entre curtas e longas, com um único filme que chamou a atenção, The Lunchbox (de 2013). Talvez por escolha dele, ou não, pois não consegui averiguar, teve a "sorte" de deixar na mão de dois monstros sagrados do cinema, Jane Fonda e Robert Redford, a construção e a condução da interpretação de seus personagens, de sensibilidade tocante, em Nossas Noites. O filme é uma adaptação do livro homônimo, de Ken Haruf, falecido em 2014. No livro e no filme é contada a história de Addie Moore, viúva, moradora de uma pequena cidade do Colorado, que em um determinado dia faz uma visita surpresa ao vizinho Louis Waters, também viúvo, esperando criar uma conexão para o resto de suas vidas. Ambos viúvos e morando sozinhos, longe dos filhos e netos, moram perto um do outro há décadas, sem terem muito contato um com o outro. As interpretações de Jane Fonda, como Addie, e Robert Redford, como Louis, são ambas simples, sensíveis, tocantes e nos fazem pensar sobre o papel da velhice nesta nossa sociedade de valores jovens, sempre. Quando Louis recebe a visita surpresa de Addie em sua casa, e da proposta dela, feita a ele de chofre, sem rodeios, e ainda mais surpreendente... a de apenas passarem a dormir juntos para tentarem enfrentar e afastar a solidão das noites, Louis tem muita dificuldade de perceber o quanto ambos viviam sozinhos. Acredito que este não é um filme de aceitação em geral. Talvez apenas os mais maduros, ou os mais sensíveis, percebam a profundidade do roteiro. Que trabalha de forma simples com a dificuldade de aceitar a velhice em nossa cultura e o direito de se poder ter relações significativas e poder se apoiar e amar com todas as contingências do tempo e do passado.
Creio que graças à dimensão de dois atores já idosos neste nosso tempo (em 2017, Jane estava com 80 e Redford com 81 anos), experimentados e maduros em termos de interpretação, é extraordinário ver-se a repetição do mesmo par romântico 50 anos depois de terem realizado outro belo filme, Descalços no Parque (Barefoot in The Park no original), de Gene Saks, realizado em 1967. Curiosamente, Jane (como Addie) ainda interpreta a mulher forte e determinada de outras atuações (como em Barbarella, 1968, ou no filme da mesma dupla, O Cavaleiro Elétrico, de Sidney Pollack, de 1979), ao propôr, imaginando-se àquela época, tudo que exigiu de arrojo, o que propôs. O recato e respeito de Louis também é muito significativo, pois Addie explica que não se trata de uma proposta de sexo casual e sim aquela sensação de segurança e conforto de ter alguém no travesseiro ao lado. Após quase 50 anos casada, ela já não sabe dormir sozinha. Para não esticar demasiadamente o comentário, é óbvio que a proposta é aceita (como disse antes, com uma certa relutância de Louis), os dois iniciam uma amizade que tem hora para começar e, talvez, acabar. Mas não vou estragar o prazer de quem for assistir ao filme, contando mais alguma coisa. Apenas como um complemento e curiosidade, a apreciação do filme parece colocar questões de gênero, ou de sensibilidade, em pauta. Praticamente todas as avaliações críticas de maior valor e impacto, são de mulheres, enquanto avaliações mais negativas, ou com ressalvas do tipo "amorosas e melosas" são de homens. Pelo menos na minha avaliação a partir do nome de cada um. Se assistir ao filme, onde você se coloca? Finalizando a minha crítica, bastante positiva neste caso, gostei da mão "frouxa" do diretor e, talvez com isso, dar maior liberdade a Fonda e Redford (que é um dos produtores), do roteiro, escrito a quatro mãos, por Scott Neustadter e Michael H. Weber (a partir do livro de Haruf) e da música de Elliot Goldenthal. Preferiria uma tradução mais direta do título original que reflete muito mais a história e os sentimentos, Our Souls at Night, do que o dado em português Mais uma vez, a Netflix produzindo um bom cinema e colocando na sua grade. |
AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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