Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] “Solos é uma série de antologia de sete partes que explora as verdades estranhas, hilárias, maravilhosas e dolorosas do que significa ser humano. A série abrange nosso presente e futuro e mostra que mesmo nos momentos mais isolados, todos estamos conectados através da experiência humana”. Essa é a sinopse de anúncio da própria Amazon. A série é protagonizada por nomes de peso como Morgan Freeman, Anne Hathaway, Helen Mirren, Uzo Aduba, Nicole Beharie, Anthony Mackie, Dan Stevens e Constance Wu. Foi criada por David Weil, que faz a sua estreia na direção, ao lado de Sam Taylor-Johnson, Tiffany Johnson e Zach Braff. Uma outra série, Black Mirror, parece ter afetado todas as antologias e quase todos os programas ambientados em um futuro próximo que estão sendo ou serão produzidos. Ao público que acompanha os episódios desde 2011, deve ser difícil acompanhar qualquer série que seja levemente semelhante e não afirmar: “isso aqui é muito “Black Mirror”. Logo, é inevitável a comparação com Solos, do Amazon Prime Video, que obviamente quis trazer algumas situações da atração do Netflix, o streaming concorrente. A série criada por David Weil (Hunters: A Caçada) discute as relações da tecnologia com a humanidade, apostando no lado mais pessoal de cada personagem, que troca as reviravoltas utilizadas no seriado da Netflix por monólogos de autorreflexão. Assentada menos sobre o contexto high tech e mais sobre a raiva humana, cada episódio é feito de forma nua e crua, utilizando a premissa futurista apenas como cenário para reflexões espetaculares, que destacam o talento do grande elenco estelar da série. Visualmente simples, grandiosos, e frequentemente atraentes, os sete episódios da série com cerca de 30 minutos cada, chegam carregados de frases existenciais, derramamentos de lágrimas e jamais deixam a atuação pecar, apesar de variarem em qualidade de roteiro. Um aspecto envolvente do show é dar espaço para mostrar o quão impecáveis são os atores e atrizes em tela, na tela! A começar com Anthony Mackie (Falcão e o Soldado Invernal), que entrega uma das melhores atuações da sua carreira, ao menos por ora. Versátil no papel de Tom, um homem que pretende achar um jeito de cuidar de sua família após a morte, ele sabe variar em tela da pegada “sarcástica e babaca” ao pai emocionado em questão de segundos, o que junto a uma boa fotografia e trabalho de câmeras ajuda a destacar melhor as emoções durante o monólogo. Mesmo com a moral piegas e bela de “reconhecer as pequenas coisas ao longo vida”, o ator consegue crescer em cena e conectar o espectador com a história, apesar da premissa complexa em um curto episódio. Esse mesmo sentimento percorre todos os demais episódios da série, incluindo o protagonizado por Helen Mirren, magnífica como sempre, (escolher alguma atuação, entre 141 “papéis”?, Velozes e Furiosos 9, Winchester, Trumbo, The Audience, Hitchcock), que vive uma mulher idosa que a vida toda se preocupou em não incomodar as pessoas e, por isso, se sente solitária e invisível. A atuação de forma quase perfeita e crescente ao longo do capítulo, digna de uma atriz como ela, é abrilhantada por uma autoanálise cômica e saudosa, sem beirar muito o drama. As duas “desculpas”, inteligência artificial e viagem no espaço, são fatores que constroem o ambiente e a auxiliam na sua reflexão sobre o quanto ela deveria ter tido de amor-próprio e aproveitado a vida. Já Anne Hathaway (Os Miseráveis) como Leah é engraçada e sabe variar emocionalmente quando pede. O episódio, que talvez seja o que mais se pareça com Black Mirror, fala sobre viagem no tempo e brinca com várias referências a produções atuais, como Vingadores: Ultimato e De Repente, 30. Com a lição de moral bem definida – a de “não tentar antecipar o futuro”, a atriz foge da solitária autorreflexão para criar conversas com as outras personagens – que, no caso, é ela mesma em outras épocas – e surpreende em um episódio dinâmico que, talvez, engane o público. Por ser o primeiro de Solos, o espectador pode criar uma expectativa alta e não aproveitar os capítulos cheios de monólogos a seguir. A verdade é que o elenco mais conhecido atua muito bem, o que já é esperado, mas há outros protagonistas que roubam o destaque, como Constance Wu (Podres de Ricos) é o melhor exemplo. Em uma pegada melodramática, a atriz se entrega totalmente ao texto no capítulo mais cativante da série, em um enredo que envolve o espectador através da aflição. Sem saber onde está, a personagem dela, Jenny, conta a história de vida diretamente olhando para o público e varia do riso descontraído ao choro sufocante em atuação sincera. Resumindo: é ela, o roteiro e nada mais. No episódio de Wu, novamente, os elementos de ficção científica só servem como base. Já o mesmo não acontece com Uzo Aduba (Orange Is the New Black) no quarto capítulo, que retrata a dependência tecnológica e a saudade do afeto humano em meio ao isolamento social causado (pasmem) por uma pandemia. Alusão ou não à covid-19, a construção do roteiro é entediante, clichê e pode soar como uma “piada de mau gosto”. Felizmente, isso não impede a atriz de exibir uma atuação segura e satisfatória. Mesmo com poucas falas, Nicole Beharie (A Lenda de Sleepy Hollow) mostra presença na narrativa com mais clima de suspense da série ao interpretar Nera, uma mulher à espera de seu filho inseminado com alguma tecnologia. No entanto, após o nascimento da criança, alguns problemas surgem durante esse episódio que é mais ousado de Solos – muito por abandonar a mistura de ficção científica com horror. Por fim, o último episódio conta com Morgan Freeman (Seven – Os Sete Crimes Capitais) e Dan Stevens (A Bela e a Fera). A boa interação entre a dupla não disfarça um problema de episódios finais de séries: a tentativa de conexão com os episódios anteriores. O capítulo final tenta aproximar a realidade tecnológica da série e revela uma ligação sem sentido entre todas as histórias. Aqui, a produção do Prime Video se esforça para dizer algo profundo sobre a essência da memória e com a qual cada um de seus personagens lutou. Porém, o roteiro não é claro o suficiente para fazer seu ponto, seja lá qual for, apenas tropeçando numa piegas lição que sugere: “a vida provavelmente é melhor quando você não está sozinho” – uma tese que, para uma produção que se chama Solos, soa como ironia.
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Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Se você é daqueles que gosta dos “making of” de filmes e de se meter nos bastidores das produções cinematográficas esta série é um prato cheio para você. Está série, que está no canal de “streaming” Netflix, e na terceira temporada, mostra de maneira um tanto cínica e irreverente “como” se fez (ou não, às vezes eles “simplesmente aconteceram”...) alguns dos filmes mais emblemáticos dos últimos anos, como Dirty Dancing – Ritmo Quente, Duro de Matar, De Volta para o Futuro, Forest Gump, Sexta-Feira 13, Robocop: O Policial do Futuro, Aliens, o Resgate... Muitos, inclusive, não gostam pelo estilo de narração debochado de Donald Ian Black, ou pelos cortes rápidos e sarcásticos na edição de imagens. Por tudo isso, foi duramente criticada nas redes sociais no seu lançamento. A série de Brian Volk-Weiss é um spin-off, ou seja, uma obra derivada de outra. No caso, de Brinquedos que Marcam Época (The ToysThat Made Us), 2017-2019, do próprio diretor e também na Netflix. Já em três temporadas, Brinquedos revela como Barbie, Lego, Hello Kitty e outros se tornaram clássicos de muitas gerações. Em Filmes, o desafio era recontar histórias que a maioria já conhece bem de uma das artes mais bem documentadas. Fazem parte ainda da equipe técnica: roteiro de Benjamin J. Frost, narração de Danny Wallace e produção de Benjamin J. Frost, Cisco Henson e Brian Volk-Weiss. A série traz em cada episódio dedicado a um determinado filme, relatos e depoimentos de diretores, diretores de fotografia, roteiristas, produtores, preparadores de elenco, atores coadjuvantes e chefes de grandes estúdios. Os episódios fogem da lógica de divulgação da indústria cultural, ou seja, de quem esteve por trás das câmeras... Por exemplo, você sabia que mandaram queimar o negativo do filme Dirty Dancing? E que o filme Esqueceram de Mim foi quase todo filmado no ginásio de uma escola? Você poderia imaginar que o filme Os Caça-Fantasmas quase recebeu outro nome? Pois é... tudo isso e muito mais você pode acompanhar nos 16 episódios – 16 filmes – apresentados nas três temporadas até agora produzidas. Na primeira, foram quatro, na segunda também quatro e na terceira já foram oito! O que esses filmes têm em comum, além de continuarem a ser cultuados, é que por pouco eles nem seriam exibidos. Ou seriam outros filmes, se dependessem dos estúdios, dos patrocinadores ou até dos próprios criadores da história. Nelas são mostrados os bastidores do surgimento de quatro longas que foram sucesso de bilheteira, transformaram a cultura pop e ainda inspiram gerações: Dirty Dancing - Ritmo Quente (1987), Esqueceram de Mim (1990), Os Caça-Fantasmas (1984) e Duro de Matar (1988). Com relatos de atores e de quem esteve por trás das câmeras, o seriado conta como se faz um filme de sucesso. Na maioria das vezes, as histórias precisaram enfrentar a desconfiança e várias negativas de grandes produtoras antes de chegar ao topo. Dirty Dancing, por exemplo, foi rejeitado 40 vezes por diferentes produtores. O primeiro episódio, da 1ª. temporada, é destinado a Dirty Dancing, traduzido no Brasil por Ritmo Quente. O filme de 1987 foi rejeitado 42 vezes por gigantes de Hollywood, que achavam a história "feminina demais". Nos estúdios, claro, o comando era dos homens, que consideravam escandaloso mostrar no cinema danças sensuais e uma cena de aborto, se vocês se lembrarem dela. No segundo episódio de Filmes que Marcam Época, na 1ª. temporada, são revelados os bastidores da criação de Esqueceram de Mim (Home Alone), filmado em uma escola em Chicago. Sim, a residência verdadeira do abandonado Macaulay Culkin, mostrada toda decorada de vermelho e verde por conta do Natal, só foi usada oficialmente em cenas externas. O interior da casa foi construído dentro de um ginásio de um colégio local e 80% do filme foi gravado lá. A série também mostra que o filme teve um investimento grande em dublês, pela sequência de tombos encarada pelos dois ladrões (coitado deles, dá até pena...). Em depoimento, um dos dublês afirma que as quedas eram reais. Dan Aykroyd, um dos criadores e atores de Ghostbusters - Os Caça-Fantasmas, escreveu o filme com base na história de sua família. Desde os tempos de seu avô, os Aykroyds eram conhecidos por fazer estudos paranormais nos Estados Unidos. Em depoimento ao seriado, Dan disse que considera o longametragem uma continuação do legado da sua família. Ghostbusters, que por pouco não se chamou Ghostbreakers, era o título original de Os Caça-Fantasmas.
No quarto filme da primeira temporada de Filmes que Marcam Época é revelado que, ao invés de Bruce Willis, o primeiro filme da franquia Duro de Matar (Die Hard) já estava planejado com outro protagonista: Frank Sinatra. O cantor havia aparecido na adaptação do livro The Detective, de Roderick Thorp, para o cinema, em 1968. Nothing Lasts Forever (1979), sua sequência, também foi pensada para as telonas, com o mesmo ator. Porém, quando Duro de Matar saiu do papel, Sinatra já havia abandonado o cinema. E abriu vaga para um jovem ator, até então só conhecido por participar de comédias na televisão. Poucos acreditavam que a série teria continuidade depois da primeira temporada. Surpreendentemente, não só teve, como uma segunda temporada com mais 4 episódios veio em seguida (De Volta para o Futuro (Back to the Future), Uma Linda Mulher (Pretty Woman), Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park) e Forrest Gump), e mais a terceira temporada também, desta vez com 8 episódios, Halloween – A Noite do Terror (Halloween), Sexta-Feira 13 (Friday the 13th), A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street), Robocop: O Policial do Futuro (Robocop), Aliens, O Resgate (Aliens), Um Príncipe em Nova York (Coming to America), O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas) e Um Duende em Nova York (Elf). Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] O Caso Collini (Der Fall Collini) adapta o livro que reconta uma trama que mostra consequências da Segunda Guerra Mundial ainda na atualidade, no começo dos anos 2000. A premissa do filme de suspense é bastante simples. Um advogado é contratado para defender um italiano, que mora na Alemanha, que assassinou um empresário de grande importância local. Durante a história, os espectadores devem descobrir o que levou a esse assassinato. Como já entrega a sinopse que está na Netflix, o advogado descobrirá um dos maiores escândalos do sistema de justiça alemão. O longa-metragem foi lançado originalmente em 2019. O elenco traz Elyas M’Barek (que já tem um extenso currículo como ator, destacando-se os filmes Suck Me Shakespeer, 2013, The Physician, 2013, Who Am I, 2014), como o jovem advogado e Franco Nero como Collini. Enquanto Elyas é mais conhecido na Alemanha, Nero tem créditos no cinema italiano na época do western spaguetti, 5 Pistolas Com Sede de Sangue (Gli uomini dal passo pesante, 1965), Django (idem, 1966), filmes políticos, O Delito Matteotti (Il Delitto Matteotti, 1973), Corrupção no Palácio da Justiça (Corruzione all Palazzo di Giustizia, 1975) e mais recentemente nos filmes Django Livre (Django Unchained, 2012), Duro de Matar 2 (Die Hard 2, 1990), e John Wick: Um Novo Dia para Matar (John Wick: Chapter 2, 2017). A direção é de Marco Kreuzpaintner. Da ficha técnica destacamos ainda o roteiro de Christian Zübert, Robert Gold e Jens-Frederik. Elenco: além de Elyas M’Barek e Franco Nero, Alexandra Maria Lara, Heiner Lauterbach, Stefano Cassetti, Manfred Zapatka, Jannis Niewöhner, Rainer Bock. A distribuição é da A2 Filmes. O filme foi feito na Alemanha e tem 123 min de duração.
Antes de chegar aos cinemas, O Caso Collini foi contado em um livro de Ferdinand von Schirach, que é advogado e escritor. Outros de seus livros são: Crime (Verbrechen), Guilt (Schuld) e o comentado aqui na sua transcrição para o cinema (O Caso Collini). O filme surge dessa obra. O autor alemão, de família tradicional eslávica decidiu contar a história para lidar com o passado familiar dele. O escritor, um dos mais conhecidos da Alemanha, tem um avô, Baldur Schirach, que serviu a Hitler, tendo depois sido condenado pelos crimes cometidos contra humanidade. No filme o empresário é inspirado numa pessoa real que usou uma polêmica lei da Alemanha para fugir dos crimes cometidos na guerra. Em O Caso Collini, o espectador segue o jovem advogado Caspar Leinen. Ele é designado pela Promotoria Pública para defender o italiano Fabrizio Collini. O que começa como um caso corriqueiro se transforma em uma grande descoberta a partir da investigação do advogado. O filme deixa em suspense o motivo que levou um italiano a assassinar a sangue-frio um respeitado industrial alemão, em Berlim, em 2001. O roteiro, bem construído, foi escrito aproveitando um personagem principal interessante. Caso contrário, ele poderia se tornar tedioso ao acompanhar a investigação durante uma hora de filme se a revelação já fosse conhecida. De fato, o que empolga é permanecer ao lado do advogado Caspar Leinen, perdido por iniciar sua carreira com um caso tão importante. E sua insegurança inicial é um dos ingredientes que torna o protagonista atrativo. Por outro lado, o processo tem um agravante, pois a vítima do crime foi como um pai para o advogado em sua infância e juventude. Além disso, ele se envolveu romanticamente com a neta e herdeira do industrial, e agora os dois se confrontam em lados opostos no tribunal. Além disso, Caspar enfrenta outros dois desafios. O primeiro é o oponente, pois o advogado de acusação é o renomado Dr. Richard Mattinger, que foi seu professor. O outro desafio é o próprio réu, que se recusa a falar com ele. A direção é muito competente também, pois o diretor Marco Kreuzpaintner adota o cinema clássico hollywoodiano para contar essa história, que se baseia em fatos que realmente aconteceram. Ainda nesse estilo clássico, vemos a busca de dados representada na tela com uma montagem ágil dos jornais e documentos, e, antes de cada cena de tribunal, há um fade-out para marcar essa passagem. Analogamente, outro recurso tradicional é a verdade revelada através de flashbacks intercalados com o que se passa na corte. Da mesma forma, Fabrizio Collini, personagem de Franco Nero, é também marcante. Evidentemente, ele é o assassino, e sua recusa em falar com o seu advogado, o torna uma figura antipática. De fato, ele fala muito pouco durante o filme, mas com as revelações é possível compreender suas motivações. Por outro lado, a maioria das atuações são boas ou apenas funcionais e cumprem com o papel dado pelo roteiro. No papel de Caspar Leinen, Elyas M’Barek, entrega bem tudo que o personagem precisa e suas expressões faciais são coniventes com as cenas. Há vários momentos em que o personagem está em dúvida ou confuso e ele mostra isso bem. Já Johanna Meyer, a filha do industrial, interpretada por Alexandra Maria Lara, é desconexa e fica perdida na trama – mesmo havendo um propósito para ela estar presente na história, a personagem fica perdida e há muitos momentos em que suas ações não condizem com a história. Quanto aos outros personagens, são apenas funcionais. Deve ser destacada ainda a direção de arte que, mesmo com poucos recursos, recria os anos 40 com precisão, sem deixar de introduzir o público na época do contexto. |
AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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