Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] Para aqueles que acreditam na força do amor e apreciam uma bela história de amores “quase” impossíveis recomendo a série sul-coreana Chocolate (Chokollit) de 2019, presentemente na grade de programação da Netflix. São 16 episódios de cerca de 70 minutos cada um. A série tem uma ótima direção, atuações significativas de todos os seus personagens, além de ser esteticamente muito bem cuidada e bonita. Tem um excelente trabalho de iluminação, fotografia e som e cenários naturais maravilhosos com a história se passando na Coréia do Sul e na Grécia. É um drama intenso, temperado com boas doses de comédia, comovendo pela sutileza das emoções. Além disso, é muito interessante podermos “conviver” durante algum tempo com uma cultura tão distante da nossa. A Grécia voltará também em outros episódios ao longo da trama. Chocolate conta a história conturbada de encontros e desencontros tendo como cenário os corredores do Hospital Geosung. Nele trabalha um neurocirurgião de grande prestígio, o Dr. Lee Kang (papel sutil de Yoon Kye- Sang) e são apresentados os deliciosos pratos de Moon Cha-yeong (papel sensível, delicado e bem humorado de Ha Ji-won), que se deleita ao cozinhar na cozinha do hospital. Através dessa paixão em comum, a culinária, pois se descobrirá que era a de Kang também, os dois irão se ajudar e curar as feridas um do outro. Para quem gosta, é uma mistura de Grey´s Anatomy e culinária. Além de Yoon Kye-sang e Ha Ji-won, ainda apresenta Lee Joon (Jang Seung-jo), Kwon Min-seong (Teo Yoo), Moon Tae-hyun (Min Jin-woong), Han Yong-seol (Kang Boo-ja), Lee Seung-hoon (Lee Jae-ryong), Kwon Hyun Suk (Kim Won-hae), Han Sun Ae (Kim Ho-jung) e Nurse Ha Young Shil (Yeom Hye-ran) no elenco. É uma produção de Pyo Jong-rok, da JYP Pictures, Coréia do Sul, e foi transmitida originalmente pela JTBC (TV da Coréia do Sul), em Seul, a partir de novembro de 2019. A série foi escrita por Lee Kyung-hee e tem a parceria na direção de Lee Hyung-min depois de 15 anos após outra série de sucesso dos dois (I´m Sorry, I Love You). A direção, de Lee Hyung-min, e a fotografia do drama se destacam logo de início. A cena de abertura (que na verdade não é a cena que dá início à história) filmada na Grécia dá um toque refinado à obra que promete derreter corações. Apesar das paisagens serem de tirar o fôlego, o foco de Chocolate é o que dá nome à série, chocolates e muita comida. Aconselho não assistir caso esteja com fome, a direção e a montagem das comidas são de dar água na boca. Os primeiros episódios trazem duas narrativas diferentes mostrando a perspectiva de cada protagonista. Isso ajuda o espectador a conhecer um pouco da personalidade de cada um, fornecendo um vislumbre de como a trama irá se caminhar. Posso afirmar que de cara Chocolate foi ousado o suficiente para trazer diversos assuntos dramáticos (enquanto fazia seus saltos temporais), no entanto traz ao mesmo tempo medos e questionamentos. Lee Kang, ainda menino, se muda para a capital Seul, e vai morar na casa de sua avó paterna por razões complicadas de família. Depois de algum tempo e com muitos conflitos na família, sua mãe morre num trágico acidente, onde Moon Cha-yeong também estava, mas foi a partir deste momento que ele sentiu que sua vida era para seguir os passos de seu pai e se tornar um médico cirurgião, tornando-se um dos melhores da Coréia do Sul. Devido a esse trágico acidente da morte de sua mãe, o seu sonho de criança, quando ajudava a sua mãe no restaurante da família, de ser um “chef” de cozinha, foi abandonado e ficou no passado. No entanto, a ponte com o passado é feita devido a uma pequena gentileza que ele havia realizado muitos anos atrás ao dar de comer a uma menininha esfaimada que apareceu no restaurante de sua mãe. Adivinhem quem era essa menininha esquálida que se deliciou com as comidas que ele preparou especialmente para ela? Acertaram... era precisamente Cha-yeong que deixou o sonho (da mãe dela) de ser uma grande bailarina para estudar arduamente e se transformar numa chef de cozinha muito competente. Como sempre, o destino traça caminhos interessantes e surpreendentes. Novamente Cha-yeong cruza com Kang, agora responsável por um hospital para cuidados paliativos de doentes terminais do mesmo grupo da família de Kang e é o mesmo hospital em que ela trabalha como ajudante de cozinha. Mesmo sem ser reconhecida por ele, a difícil odisseia de um amor não correspondido, prossegue “interminavelmente”. Pela dificuldade de conter os seus sentimentos é que Cha-yeong decide ir para a Grécia numa tentativa de esquecer, mais uma vez, o seu passado tão doloroso e começar uma vida nova. Se você acha que a história termina por aqui, não se iluda, ela continuará por vários outros episódios com dramaticidade crescente e dificuldades amorosas idem. Isso porque nesse romance dramático, intenso e repleto de emoção, há diferentes histórias secundárias que faz as lágrimas caírem a cada episódio assistido, que ajudam trilhar toda a jornada da narrativa, mostrando a força e vontade incomum que cada um lida com a morte e o sofrimento que irá causar após sua partida. Em suma, Chocolate é mais do que um drama de amor e sim uma história sobre a vida e a morte, sobre as dores e os anseios que cada um carrega dentro de si, pela luta diária de sobrevivência na rotina de um futuro incerto e desconhecido, mas que tem que passar por um presente que deveríamos transformá-lo em algo especial e satisfatório sempre.
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Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] A realização de novas versões de filmes consagrados pela qualidade e pelo tempo será sempre um desafio de resultado incerto para estúdios, produtores e diretores. Algumas vezes funciona, outras não. Os irmãos Coen, Joel e Ethan, aceitaram esse desafio quando decidiram fazer, ou refazer, uma versão de um dos clássicos faroestes americanos dos anos 1960-1970 em pleno século XXI. Para tanto foram bancados por Steven Spielberg, como produtor executivo. O clássico a que me refiro é nada mais nada menos que "Bravura Indômita" (True Grit), de Henry Hathaway, diretor "clássico" de faroestes desde os anos 1930, com "o" "cowboy" americano John Wayne e realizado em 1969! O filme parte da história de mesmo nome do jornalista Charles Portis, escrito no ano anterior. Outras obras dele são Norwood (1970), Halloween:The Curse of Mychael Myers (1975), The One and Only (1978), Better Off Dead (1985) e Newsbreak (2000). O roteiro deste filme, sobre o livro de Portis, foi escrito por Marguerite Roberts e o elenco contava ainda com Glenn Campbell, Kim Darby, Robert Duvall e Jeff Cony, incluindo também a música marcante de Elmer Bernstein. O filme, até hoje, é sucesso de crítica e de público, mesmo que hoje seja considerado um tanto anacrônico, em razão da revisão mais recente dos moldes americanos se se fazer faroestes, menos maniqueístas e mais críticos. A história em si é mais do que conhecida, principalmente porque foi retomada inúmeras vezes pelo cinema americano, e é a saga de uma vingança pessoal. Mattie, uma adolescente de apenas 14 anos, cujo pai foi assassinado, vai fazer um "road movie" (quando esse conceito ainda nem existia) pelas pradarias americanas à procura do assassino de seu pai. Para tanto, ela contrata um agente federal experiente, o canônico Reuben "Rooster" Cogburn, e um Texas Rangers, de nome Le Boeuf, para procurar e trazer o assassino de seu pai, para ser julgado, se possível. Mais de quarenta anos depois do filme de Henry Hathaway, Joel e Ethan Coen fazem, em 2010, um raro filme sem cinismo e mais fiel ao espírito do romance original de Charles Portis, o "novo" Bravura Indômita, True Grit, com 110', "economizando" já de início 16' com relação ao original de 1969, com 126 minutos de duração. Os irmãos Coen roteirizam o livro de Portis, alterando o miolo da história sendo, apesar disso, mais fiéis ao espírito cômico de Portis, que também é uma marca registrada nos filmes de Joel e Ethan. Mesmo assim, o "remake" é uma novidade no currículo filmográfico dos dois irmãos no sentido de que eles sempre escolhem personagens à deriva e que são pegos de surpresa pelo acaso. No caso presente, os dois personagens masculinos são tipos que se dirigem direta e conscientemente ao seus destinos, ou objetivos, ou seja a caçada ao fugitivo, assassino do pai de Mattie. Obviamente, o papel de Mattie Ross (ótimo trabalho de Hailee Steinfeld, também nos seus 14 anos) contribui muito para isso. Apesar de sua juventude, em seus 14 anos, ela é a mais determinada a vingar o seu pai por consciência, não por dinheiro, como os seus contratados. A decisão dos Coen de eliminar algumas cenas e adiantar um pouco o desenrolar da trama e do drama foi essencial para esta nova versão. Mostra de maneira mais intimista o federal Rooster no seu habitat natural e permite aprofundar um pouco mais a relação do agente federal com a menina se transformando em mulher. Este ponto é interessante de ser observado no fim do filme, quando é inserido um epílogo, também uma criação dos Coen. Nesse sentido, o papel do Texas Rangers Le Boeuf é quase inexistente. Apesar de num primeiro momento o filme de 2010 parecer apenas uma refilmagem do bom filme homônimo de 1969, ao longo do desenrolar da história, percebe-se que ele é original e tão bom quanto o primeiro. É mais uma segunda adaptação do livro de Portis do que um simples "remake". Joel e Ethan sempre deixaram claro que voltariam ao livro de 1968 para fazer um filme "deles". E foi o que fizeram. É, realmente, um filme com a marca dos Coen, mesmo sendo um dos mais "lineares" que eles já fizeram. Isso se deve também por "culpa" de Clint Eastwood que depois do magnífico "Os Imperdoáveis", de 1992, que mudou o conceito dos faroestes. Ao criar a necessidade de dar mais realismo aos "westerns" modernos, levou os Coen a tirar a grandiosidade excessiva do faroeste, as figuras muito caricaturais e o maniqueísmo ralo dos personagens principais. Com isso, os "heróis" do filme, Cogburn (Jeff Bridges) e Le Boeuf (Mark Damon) continuam sendo heróis necessários (pelo menos aos olhos de Mattie) mas tem tantas falhas que nos surpreende que ainda estejam vivos! No fim são tão humanos quanto qualquer um da história ou de nós. São assim... e é o que basta para manter a história até o fim. Quanto ao elenco, as escolhas dos Coen foram perfeitas. Jeff Bridges está inspiradissimo como Rooster Cogburn, mesmo tendo que "calçar", literalmente, as botas de John Wayne do filme de 1969. Ele faz um Cogburn bêbado, barrigudo e cansado e está ótimo em nossa época. Igualmente, Matt Damon faz um Le Boeuf impressionante, igual, ou até mesmo superando, o Le Boeuf de Glen Campbell no original de 1969. Mas quem rouba a cena mesmo é Hailee Steinfeld, atriz estreante aos 14 anos que consegue, em algumas cenas, até "apagar" a presença de Jeff Bridges e Matt Damon, quando juntos em cena, encarnando a Mattie Ross. Parece que este é um papel que dá um destaque posterior às suas atrizes: Kim Darby, a primeira Mattie, atuou em mais de 80 filmes entre TV e cinema propriamente dito. Hailee já tem na sua carreira mais de 50 filmes, entre TV e cinema, entre eles Charlie's Angels (2019), Between Two Ferns: The Movie (2019), Term Life (2016), The Homesman (2014) e Ender's Game (2013), este eu até já comentei algum tempo atrás. Trabalham ainda no filme Josh Brolin (num papel importante, o do assassino) mas está quase como um ator secundário, e Barry Pepper. Na parte técnica, deve ser destacado o nome de Carter Burwell autor da trilha musical, que é boa, mas não se iguala à de Elmer Bernstein do filme de 1969.
Como palavras finais, volto à minha observação inicial quanto à questão do epílogo. A ideia dos irmãos Coen em "usá-lo" atualiza o formato do filme. Ao contar muitos anos depois os acontecimentos posteriores à ação do filme, na visão de uma Mattie já adulta e envelhecida, pode-se inferir os sentimentos nascidos durante a convivência forçada daquele triângulo formado para caçar o assassino. O filme trabalhou o tempo todo com esse triângulo, incluindo as ações e emoções, sugerindo algo mais do que foi realmente mostrado. Enfim, o filme de Joel e Ethan Coen, não é "apenas" um "outro" Bravura Indômita, mas sim uma outra obra e um grande filme sob qualquer óptica que se veja. Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] O tema TEMPO sempre foi de meu interesse pessoal. Profissionalmente, trabalhei durante muitos anos com o tempo biológico ao eleger como objeto de pesquisa e estudos a cronobiologia, a organização temporal da matéria viva, expressa na forma de ritmos biológicos. Em minha juventude, o mesmo tema sempre me interessou, fosse em livros, filmes de ficção científica, utopias e distopias, os loops temporais e as viagens no tempo. Lembro como bons momentos de diversão e de reflexão alguns filmes e séries que vi há tempos mais pretéritos, ou mais recentes, como as várias edições da franquia O Exterminador do Futuro (iniciada por James Cameron em 1984), O Vingador do Futuro (de Paul Verhoeven, 1990), De Volta para o Futuro (de Robert Zemeckis, 1985), Feitiço do Tempo (de Harold Ramis, 1993), El ministério del tiempo (uma série criada por Javier e Pablo Olivares, 2015), Outlander (criação de Ronald D. Moore, 2014). Mais recentemente, tenho feito críticas a filmes e séries que tratam principalmente das viagens no tempo e/ou os loops temporais como Durante a Tormenta (de Paulo Oriol, 2018), Boneca Russa (criação de Leslye Heddland, Natasha Lyonne e Amy Poehler, 2019) e agora a série Travelers, da Netflix. Travelers é uma série de ficção científica de 2016 feita em co-produção entre Canadá e EUA, dos canais Showcase e Netflix, respectivamente. Já está na sua terceira temporada, totalizando 34 episódios de, em média, 45 minutos. A série foi criada por Brad Wright e conta com as participações de Eric McCormack (ele é o viajante Grant McLaren, o número 0115), que também é o produtor da série, Mackenzie Porter (Maray Warton, o 3569), que trabalhou na série Hell on Wheels, de 2011, Jared Abrahamson (Trevor Holden, o 0115) da série Awkward, de 2011 também, Nesta Cooper (Carly Shannon, o 3465) da série Heroes Reborn, de 2015, Reilly Dolman (Philip Pearson, o 3326), que atuou em Percy Jackson e o Ladrão de Raios, de 2010, Patrick Gilmore (David Mailer), de O Segredo da Cabana, Leah Cairns (Kathryn McLaren, a esposa de McLaren), que trabalhou nos filmes Interestelar, Battlestar Galáctica e na série Supernatural. A música-tema é de Adam Lastiwka. Brad Wright é conhecido como o produtor executivo e criador da franquia Stargate (Stargate SG-1, de 1997, Stargate Atlantis, de 2004 e Stargate Universe, de 2009) com um talento especial para criar séries futuristas. A história de Travelers se passa num futuro bem distante onde os últimos humanos sobreviventes descobrem uma forma original de viajar no tempo, de volta ao século XXI. Esses viajantes conseguem enviar suas consciências para o passado e trabalham em segredo realizando missões para garantir um futuro melhor da raça humana. Nessas ações, os agentes do futuro, armados apenas com seu conhecimento da História e dos perfis da mídia social de seus alvos, devem fazer mudanças pontuais na linha do tempo para impedir a existência desse futuro calamitoso de destruição maciça e de colapso social.
Os agentes treinados (e cada um deles com formação e habilidades especiais) são enviados e assumem, cada um, o corpo físico de uma pessoa para o qual já era conhecido o local e o horário da morte. Esse método servia para amenizar, ao máximo, a possível interferência na linha temporal no presente, visto que a pessoa não mais existiria naturalmente. Porém, eles ainda precisariam viver o restante de suas vidas segundo a realidade de seu hospedeiro. Todas as missões eram orientadas pelo Diretor (uma inteligência artificial superior do futuro) e deviam ser cumpridas segundo as regras exatas de cada protocolo para proteger o cronograma proposto. A série Travelers, apesar de pouco badalada, foi (e tem sido desde a sua estréia) uma das boas tramas de ficção cientifica atuais. É inteligente, instigante, com uma história bem elaborada. O roteiro é original e envolvente. As atuações dos atores e atrizes são muito boas e convincentes. Quem gosta de drama, suspense, ação e ficção científica, aproveite o confinamento e assista na Netflix. A primeira temporada é muito boa e envolvente, a segunda nem tanto, é mediana e confusa, mas tudo melhora bastante na terceira, com um final surpreendente traçando um possível caminho para uma quarta temporada, que até o momento não se sabe se existirá. |
AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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