Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] Recentemente, revi a minissérie produzida para a TV pela TNT O Julgamento de Nuremberg, de 2000. É uma série com 180 minutos de duração, com boas atuações de Alec Baldwin (que tem também a co-produção executiva), Brian Cox, Jill Hennessy, Max von Sydow e Christopher Plummer. Esse foi um dos mais importantes julgamentos da História, chamado também de "Julgamento do Século", onde os países aliados, vencedores da Segunda Guerra Mundial, decidem o destino de alguns dos mais importantes oficiais nazistas e membros da sociedade alemã, que estavam em julgamento pelos seus bárbaros crimes cometidos nos campos de concentração em nome da loucura do III Reich. Foram 24 acusados, inicialmente, e, dentre eles, estavam Hermann Göring, Rudolf Hess, Martin Bormann, Walter Funk, Wilhelm Keitel, Joachim von Ribbentrop, Alfred Rosemberg e Fritz Sauchel. Ao assistir a essa minissérie, é impossível não lembrar de um filme anterior de título nacional quase igual, Julgamento em Nuremberg (de Stanley Kramer, 1961), com um elenco extraordinário: Spencer Tracy, Burt Lancaster, Richard Widmark, Marlene Dietrich, Maximilian Schell, Montgomery Clift e Judy Garland. Ele foi indicado a 11 Oscars, incluindo o de Melhor Filme (mas perdeu para Se Meu Apartamento Falasse (de Billy Wilder, 1960 – outro grande filme). Ganhou, no entanto, o de Melhor Roteiro, para Abby Mann, e Melhor Ator, para Maximilian Scheel. Para entender e aproveitar o melhor das duas produções, é interessante apresentar algumas informações e o contexto sobre o que e quais foram esses julgamentos de Nuremberg, antes de se fazer uma análise crítica do filme e da minissérie. O(s) julgamento(s) de Nuremberg foi (ou foram) uma série de julgamentos dos crimes contra a humanidade efetuados pela Alemanha Nazista. O seu nome oficial foi "Tribunal Militar Internacional vs. Hermann Göring e outros", o primeiro deles. Eles foram, na realidade, vários tribunais militares (13 no total) iniciados com o processo contra 24 proeminentes membros da liderança política, militar e econômica da Alemanha sob o domínio de Adolf Hitler. Esse primeiro é que ficou sendo conhecido mundialmente como "o" Tribunal de Nuremberg. Os julgamentos ficaram a cargo de um Tribunal Militar Internacional constituído na cidade de Nuremberg, Alemanha, tendo o primeiro acontecido entre 20 de novembro de 1945 a 1 de outubro de 1946. Os outros ocorreram do fim de dezembro de 1946 a outubro de 1948 e foram chamados de Processos de Guerra de Nuremberg. Nestes outros 12 julgamentos (Processo Contra os Médicos, Processo Milch, Processo Contra os Juristas, Processo Pohl, Processo Flick, Processo IG Farber, Processo dos Generais, Processo RuSHA, Processo Einsatzgruppen, Processo Krupp, Processo Wilhelstrassen, Processo Contra o Alto Comando), foram feitas 117 acusações por crimes de guerra a outros membros da liderança nazista. Esses processos todos foram a base para a criação posterior do Tribunal Penal Internacional com sede na cidade de Haia, na Holanda. O Tribunal de Nuremberg decretou 12 condenações à morte (Martin Bormann, "in absentia", Hans Frank, Wilhelm Frick, Hermann Göring – que suicidou-se na prisão –, Alfred Josi, Ernst Kaltenbrunner, Wilhelm Keitel, Joachim von Ribbentrop, Alfred Rosemberg, Fritz Sauckel, Arthur Seyss-Inquart e Julius Streicher), três à prisão perpétua (Rudolf Hess, Erich Raeder, Walter Funk), duas a 20 anos (Baldur von Schirach e Albert Speer), uma a 15 anos (Konstantin von Neurath) e outra a 10 anos (Karl Dönitz). Três dos acusados foram absolvidos (Hans Fritzsche, Franz von Papen e Hjalmar Schacht). Um deles, Gustav Krupp, em razão da saúde debilitada, teve as acusações canceladas. Outro, Robert Ley, suicidou-se na prisão e não foi julgado. Deve-se destacar que os julgamentos de Nuremberg, principalmente o primeiro, foram tribunais de exceção. Em geral havia oito juízes (dois de cada uma das potências vencedoras da guerra). No primeiro julgamento, o presidente do tribunal era britânico e o promotor americano. Os países neutros na guerra não tiveram nenhuma participação. Muitos juristas levantaram, mesmo à época, e mais ainda posteriormente, que houve violação dos direitos fundamentais sem a indicação de advogados pelos réus – daí a nomeação de tribunal de exceção. Além disso, tribunais de exceção não podem punir com pena capital, somente com prisão, entre outras formas de responsabilização. No julgamento, das 12 condenações à pena de morte, por enforcamento, apenas 10 foram executadas, pois Martin Bormann, foragido, foi condenado in absentia e Hermann Göring suicidou-se na prisão no dia 16 de outubro de 1946, ingerindo cianeto, na véspera da execução. Nunca foi apurado de onde apareceu o veneno (e quem forneceu) o que impediu a execução do mais importante dos réus condenados. Em razão da extensão do julgamento e dos processos, cada um dos filmes, o de 1961, e a minissérie de 2000, apesar de usarem o tribunal de Nuremberg como pano de fundo, tratam de problemas diferentes. A minissérie, do julgamento ao destino de oficiais nazistas e de outros membros da sociedade alemã e dos crimes cometidos nos campos de concentração durante o desenvolvimento do projeto megalomaníaco do III Reich e os "1.000 anos da Nova Alemanha". Em suma, da loucura de Adolf Hitler à sua cadeia de comando, faz, portanto, uma reconstrução do primeiro Tribunal de Nuremberg. O filme de 1961 reconstrói o processo de julgamento de quatro juristas alemães acusados de permitir e legalizar as atrocidades nazistas contra os judeus (principalmente, já que o filme é americano) durante a 2ª Guerra Mundial. Ele corresponde ao 3º Julgamento de Nuremberg, que ocorreu de 17 de fevereiro a 14 de dezembro de 1947. Dos quatros juristas, Emil Hahn, Frederich Hoffstetter, Werner Lammpe e Ernst Janning, este era a personalidade mais eminente do meio jurídico alemão, respeitado mundialmente, e autor de diversos livros de direito. Ele havia sido Ministro da Justiça na época do regime nazista. A personificação deste jurista por Burt Lancaster é um espetáculo à parte. Os tribunais apresentados nos dois filmes são muito realistas no sentido de acontecerem em 1945-1946. A guerra havia acabado e a luta por justiça estava prestes a começar. Os tribunais têm a mesma estrutura: participação de juízes das quatro nações vencedoras, presididas por um juiz inglês no filme de 2000 (papel de Len Cariou) e por um juiz americano, Daniel Haywood – Spencer Tracy numa atuação simples, mas impressionante –, no filme de 1961. No filme de 1961, à medida que as provas de assassinato, experiências médicas e esterilização vão se revelando no tribunal, a pressão política aumenta. Haywood (Tracy) enfrenta um dos mais difíceis casos de todos os tempos. A conclusão desse julgamento cria uma nova jurisprudência para o papel de juízes na corte. Julgamento em Nuremberg destaca de maneira polêmica uma das mais obscuras fases da história moderna que, infelizmente, ainda está presente em nossa atualidade: Qual é o papel, e qual é a dimensão desse papel do juiz e de uma corte jurídica? No filme mais recente (a minissérie, na verdade), o promotor americano, juiz da Corte Suprema Americana, Robert H. Jackson (Alec Baldwin), questiona os direitos dos acusados. E como fazer valer a justiça num momento tão difícil da história? Como se isentar, ou se afastar de uma ação simplesmente vingativa dos vencedores? O filme apresenta detalhes muito ricos e fortes, de som e imagem reais da época, mantendo-se fiel às transcrições das fitas gravadas na corte. Elas são reproduzidas fielmente. O drama e o dilema de acusadores e acusados foram minuciosamente recriados nessa produção muito bem cuidada (veja, como exemplo, a "reconstrução" do Palácio da Justiça em Nuremberg). Na minissérie, pode ser acompanhada também a criação do Tribunal Penal Internacional. Foi o julgamento inaugural dos ditos Julgamentos de Nuremberg. A minissérie foi indicada a três Globos de Ouro (Melhor Série e Melhor Ator para Alec Baldwin e para Brian Cox) e indicadas para diversos outros prêmios. Brian Cox recebeu ainda o prêmio Emmy de Melhor Ator. Sua essência acaba se tornando o embate entre o promotor Robert H. Jackson (papel de Alec Baldwin) e o Reichsmarschal Herman Göring, o segundo homem na hierarquia nazista e líder do Partido Nazista e o principal alemão presente no julgamento (no papel extraordinário de Brian Cox). O tribunal ouviu mais de 240 depoimentos até o dia 1 de outubro de 1946. Mesmo com o procedimento do julgamento tendo sido previamente acordado entre as quatro potências, os procedimentos judiciais do tribunal sofrem uma reviravolta impactante ao mostrar documentos e filmes da época. Ao mostrar o genocídio promovido pelos alemães nazistas contra outros povos – os judeus particularmente –, nem os membros do tribunal conseguem aguentar. Após um silêncio interminável, os juízes simplesmente se levantaram e saíram do tribunal. Os campos de concentração, os mortos, os vivos sobreviventes, os processos de extermínio, as covas coletivas, o manuseio de cadáveres como lixo, as experiências médicas e as torturas variadas mexem com o inconsciente coletivo, deixando o tribunal em agonia. O resultado de tudo isso só poderia levar ao julgamento e condenação de praticamente todos os réus. As duas produções, curiosamente, começam da mesma maneira: a chegada dos dois principais juízes a uma Nuremberg em ruínas, destruída durante a guerra. Para onde quer que se olhe são só ruínas de centenas de prédios, deixando impactados o juiz e o promotor americanos que não presenciaram a guerra em seu próprio território. O juiz Haywood tem uma exclamação espontânea ao dizer "... não sabia que havia sido tão ruim...". Ele era apenas um juiz distrital do interior do Maine, não era uma figura importante, reconhecida. Bem diferente da figura de Jackson, juiz da Corte Suprema Americana da minissérie. Ele só aceitou quando ninguém mais queria, pois os tribunais já tinham perdido a sua evidência e destaque público. Mas ele, Haywood, ainda acreditava na justiça e na sua importância. Essa posição e a figura carismática de Spencer Tracy, faz toda a diferença na atuação: ele tem toda a sabedoria do mundo, um sentido de justiça de um Salomão, um caráter firme, honesto, quase inocente. Uma figura digna de se ver e entender. Isso pode ser percebido num diálogo que ele tem, quase no fim do filme, com o jurista Emil Janning, acerca dos milhões de mortos durante a guerra. Vejam a preciosidade: Janning: "... Aquelas pessoas, aqueles milhões de pessoas... Eu nunca soube que iria dar naquilo. Você tem que acreditar..." Haywood: "... Herr Janning, deu naquilo na primeira vez que você condenou um homem que você sabia ser inocente..." Posturas como essa, de tamanha simplicidade e justeza, podem ser vistas também num outro personagem igualmente emblemático, se bem que em outro contexto, o advogado Atticus Finch, o personagem de Gregory Peck no filme O Sol é para Todos (de Robert Mulligan, 1962). O crítico de cinema Sergio Vaz, num artigo escrito em 2010 – 50 Anos de Filmes –, também comentando o filme do Kramer, diz que alguns filmes, pela sua importância e conteúdo, deveriam ser vistos ou revistos periodicamente. Ele cita textualmente Julgamento em Nuremberg e o filme Cabaret (de Bob Fosse, 1972). Eu acrescento o acima citado O Sol é para Todos. Enfim, os dois filmes em questão trabalham com fatos históricos e todos os citados foram reais. Apenas os personagens, as situações e as histórias paralelas são fictícias, ou seja, é uma obra de cinema e, como tal, utiliza de sua liberdade – com muita competência.
O último tribunal de Nuremberg terminou os seus trabalhos em 14 de julho de 1949. De todos os acusados, 99 foram sentenciados à prisão ou outras penas como vimos, mas já na década de 1960, época da filmagem do filme de Kramer, quase nenhum dos condenados chegou a completar as suas respectivas penas.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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