Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Deparei-me, recentemente, com declarações de algumas pessoas, atores e atrizes, que conviveram, em diferentes momentos, com um dos meus ídolos no/do cinema, o cineasta Stanley Kubrick. Muitas delas me surpreenderam, negativamente, em seus aspectos humanos. Dentre elas, chamaram a minha atenção o que foi dito por Malcolm McDowell, Shelley Duvall, Jack Nicholson e por Kirk Douglas. Para minha surpresa, frente ao "monumento" criativo e artístico chamado Kubrick, McDowell disse, em uma de suas entrevistas, "que considerava Stanley Kubrick brilhante e extraordinário, mas que ele sempre desempenhou mal o papel de ser humano". Segundo ele também, diz que trabalhar com Kubrick em "Laranja Mecânica" "foi insuportável e brutal demais". Malcolm em uma de suas entrevistas relata que ele e Kubrick passaram mais de nove meses assistindo filmes violentos todos os dias, antes de começar a filmagem, preparando o espírito para o que viria mais à frente. Teve uma frustração muito grande também por ter sido enganado por Kubrick em questões financeiras. Este prometeu, antes das filmagens, que McDowell receberia US$ 100.000 dólares e mais 2,5% da arrecadação da bilheteria. Acordo esse que nunca foi honrado. Também é conhecido o fato de que Kubrick não tinha muitos limites durante a filmagem de seus filmes. No set de "2001 - Uma Odisseia no Espaço", o dublê Bill Weston correu perigo ao ficar em ambiente com privação de ar. O diretor preferiu continuar filmando, em vez de acudir e parar a filmagem (Michael Benson, "Space Odyssey: Stanley Kubrick, Arthur Clarke, and the Making of a Masterpiece", 2018). Em outros episódios, como na filmagem de "O Iluminado", para conseguir uma melhor "performance", Kubrick pressionava Shelley Duvall e Jack Nicholson o tempo todo. A atriz, com quem Kubrick não parava de gritar, ficou traumatizada por anos, como ela conta numa entrevista à revista "Rolling Stone" de julho deste ano. Em "Spartacus", ainda, não se sabe hoje se o estranhamento que houve com as principais estrelas do filme, Laurence Olivier, Charles Laughton e Peter Ustinov se deveu à questão da pouca idade de Kubrick à época (30 anos), ou algo mais que não ficamos sabendo. Esse é também um fato bem conhecido. São palavras duras e contundentes que juntadas a outros depoimentos podem ter muito de verdade, como pode ser referendado igualmente por Kirk Douglas no primeiro volume de sua autobiografia "The Ragman's Son. An Autobiography" (Simon & Schuster, 1988), publicada também no Brasil (" O Filho do Trapeiro", Ed. Civilização Brasileira, 1989). O caráter pessoal do genial diretor ficou, para mim, um tanto abalado por esses fatos e outros que comentaremos mais à frente. Todos tiveram testemunhas e são consistentes entre si. Além disso, como comentamos acima, Kubrick é conhecido por ser bastante bruto ao comandar um filme. [Stanley Kubrick foi cineasta, roteirista, produtor e fotógrafo, tendo nascido em Manhattan, New York, EUA, no dia 26 de julho de 1928. Morreu, aos 70 anos, no dia 7 de março de 1999, em Childwickbury Manor, no Reino Unido. Os seus filmes são conhecidos por seu realismo, pelo humor sombrio, muitas vezes, por uma cinematográfica única com extensos cenários e pelo uso evocativo da música. Dentre os seus filmes destacam-se: "Lolita", 1962; "Dr. Fantástico", 1964; "2001 - Uma Odisseia no Espaço", 1968; "Laranja Mecânica", 1971; "Barry Lyndon", 1975; "O Iluminado", 1980; "Nascido para Matar", 1987 e "De olhos Bem Fechados", 1999. No total, foram 13 longas (o primeiro, em 1953, "Fear and Desire") e 3 curta-metragens ("Flying Padre", em 1951, e o último em 1953, "The Seafarers").] Kirk Douglas se interessou por Stanley Kubrick a partir de seu filme "The Killing", realizado em 1956, quando Kubrick tinha 28 anos. Tiveram duas colaborações em projetos bastante diferentes entre si, seja pelo tipo de roteiro, seja pela produção propriamente dita. O primeiro dos projetos foi em 1957, com o filme "Paths of Glory". O segundo foi o magistral "Spartacus", em 1960. Em ambos houve problemas envolvendo questões éticas e morais. Estas, associadas a diferenças criativas decorrentes de seu trabalho com Douglas e com os estúdios de cinema, além de uma aversão, por parte de Kubrick, à indústria de Hollywood, bem como uma crescente preocupação com a violência e o crime nos EUA, fizeram com que Kubrick se mudasse para o Reino Unido em 1961, onde passou a maior parte do resto de sua vida e de sua carreira. [Kirk Douglas, ou melhor, Issur Danielovitch Demsky, nasceu em 9 de dezembro de 1916, na cidade de Amsterdam, em New York, EUA, de pais judeus muito pobres. Ele faleceu aos 103 anos no dia 5 de fevereiro de 2020, em Beverly Hills, Califórnia, EUA. Desenvolveu atividades de ator (94 filmes, de 1946 - "The Strange Love of Martha Ivers", a 2008 - "Empire State Building Murders"), produtor (30 filmes, 1955 a 1986), cineasta (2 filmes, "Scalawag", 1973 e "Posse", 1975), roteirista (2 filmes, "Scalawag" e "Kirk Douglas: Before I Forget", 2009, um documentário) e escritor (12 livros), durante mais de 70 anos (só no cinema foram exatamente 63 anos!). Trocou de nome, oficialmente, para Kirk Douglas, quando foi para a Marinha Americana, onde serviu de 1941 a 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. Ele é considerado um dos grandes atores da era de ouro do cinema americano e um dos melhores atores da história do cinema. É pai dos atores Michael Douglas e Eric Douglas e do produtor Joel Douglas. Kirk recebeu 3 indicações ao Óscar, como melhor ator pelos filmes "Champion" (1949), "The Bad and the Beautiful" (1952) e "Lust of Life" (1956). Não ganhou nenhum deles. Recebeu, no entanto, um Óscar Especial em 1966 por "50 anos de modelo moral e criativo para a comunidade cinematográfica", entregue por Steven Spielberg. Teve ao longo de sua carreira de produtor mais 22 indicações para premiação, recebendo 32 diferentes prêmios.] Tendo em vista agora o percurso reflexivo ao longo de toda a sua vida, principalmente com os vários volumes de sua autobiografia (5 no total), podemos entender quanto que aqueles acontecimentos passados devem tê-lo afetado profundamente. É importante dizer também que nunca mais voltaram a trabalhar juntos. Podemos começar do início do relacionamento pessoal entre Kubrick e Kirk. Vimos que a iniciativa de se aproximar de Kubrick, em 1957, partiu de Douglas em função do impacto que recebeu do trabalho de Kubrick no filme "The Killing", de 1956. Kubrick apresentou a ele o roteiro de "The Paths of Glory", que criticava a postura arrogante do Alto Comando Francês na 1a. Guerra Mundial, que levou milhões de soldados à morte inútil. Kirk leu o roteiro e se interessou, mas dizendo a Kubrick que provavelmente não renderia nada. Mas, mesmo assim queria realizá-lo. Douglas, a duras penas conseguiu uma associação com a United Artists para filmá -lo, pois o roteiro foi considerado não comercial. Voltando a falar com Kubrick, antes das filmagens, ele descobre que haviam mudado o roteiro. Os diálogos foram alterados para pior, o final foi tornado mais palatável com o fuzilamento sendo detido no último momento, e o personagem de Douglas tinha que fazer as pazes no final com o general vilão. Kirk perguntou a Kubrick quem havia violentado o roteiro daquele jeito. Kubrick respondeu: - Fui eu. Douglas, surpreso, ainda perguntou... por quê? E ele, candidamente, respondeu que era para torná-lo mais comercial... pois ele queria ganhar dinheiro. Douglas ficou horrorizado e exigiu a volta ao roteiro original, ou não haveria filme. O que foi feito. Durante as filmagens, Kubrick mandava fazer dezenas de placas onde se lia "Harris-Kubrick" (James Harris foi um dos investidores e era sócio de Kubrick). No entanto, a produtora real era a Bruna Company de Douglas. Kirk não ligou muito à época, mas ficou sabendo anos depois que havia mais, pois Kubrick dizia durante as filmagens a todos da equipe que o verdadeiro produtor era ele e que Douglas era seu empregado. O pior, no entanto, ainda estava por vir e aconteceria com a produção de "Spartacus", em 1960. Foi uma nova produção de Douglas com Kubrick. O roteiro do filme, um roteiro genial baseado no livro homônimo de Howard Fast, era de Dalton Trumbo, cujo nome estava na "lista negra" do macartismo há anos. Uma boa parte dos escritores e roteiristas nessa época só podiam trabalhar com testas-de-ferro, ou pseudônimos (como Woody Allen explora isso muito bem, como ator, no filme de Martin Ritt "Testa de Ferro por Acaso", de 1976). Mesmo que o macartismo já estivesse enfraquecendo nessa época, nenhum grande estúdio ousava romper com o sistema e confrontar a famigerada "lista negra". Foi nesse momento que Kirk fez uma reunião para decidir o nome do roteirista que apareceria nos créditos. Discutiu-se se deveriam usar o nome de um roteirista da MCA/Universal (como se fazia habitualmente) que participava da reunião, Eddie Lewis. Este recusou. Pensou-se num nome fictício, ou seja, teriam que inventar mentiras (como habitualmente se fazia, até então), quando todo mundo sabia que o autor do roteiro era Trumbo. Foi quando Kubrick resolveu intervir, propondo a solução: "... que botassem o nome dele". Kirk e Eddie teriam se entre-olhado chocados e Douglas conta que perguntou a Kubrick se ele não se sentiria constrangido em colocar seu nome num roteiro escrito por outra pessoa. Ele teria olhado como se não houvesse entendido do que Douglas falava e confirmado que não, que teria muito gosto em assumir o crédito. Isso acabou encerrando a reunião. Kirk e Eddie decidiram, então, arriscar-se e bater de frente com a "lista negra" colocando o nome de Dalton Trumbo como roteirista nos créditos. Dalton entrou abertamente num estúdio pela primeira vez depois de dez anos e agradeceu Kirk por ter sido o primeiro a rasgar a "lista negra". Pouco depois a coisa se tornava irreversível quando Otto Preminger telefonou para Douglas depois da decisão ter se tornado pública, para confirmar se ele ia mesmo se arriscar e colocar o nome de Trumbo na tela e, após a confirmação, deu entrevista à imprensa para anunciar que Dalton Trumbo seria, também, o roteirista de seu próximo filme, "Exodus", baseado no livro homônimo de Leon Uris. Não houve maiores consequências depois desses atos que, para a época, foram heróicos e muito importantes. Mesmo que a era macartista no cinema, depois de 10 anos de terror, permanecesse mais por inércia e pusilanimidade, do que medo e subserviência, pois Joseph McCarthy (1908-1957) já estava desmoralizado, mas ninguém, até então, queria ser o primeiro a denunciar e acabar com a "lista negra". Esses acontecimentos todos podem ser acompanhados nas palavras do próprio Kirk Douglas em dois de seus livros autobiográficos. O de 1988, "O Filho do Trapeiro" e o de 2012, "I Am Spartacus: Making a Film, Breaking The Black List". Inclusive neste, Kirk diz claramente que a opção de reabilitar Dalton, através de uma jogada já com cartas marcadas, foi a mais importante da sua longa carreira no cinema. Reafirmou essas palavras publicamente ao receber em 2012, aos 84 anos de vida, o prêmio "Urso Honorário" no Festival de Cinema de Berlim. A época de McCarthy foi uma das etapas mais sombrias do cinema americano. A caça às bruxas, com alegações de atividades anti-americanas, durante 10 anos seguidos, destruiu muitas vidas e carreiras. [Dalton Trumbo, nasceu em 9 de dezembro de 1905, em Montrose, Colorado, EUA, e morreu em 10 de setembro de 1976, em Los Angeles, Califórnia, aos 71 anos. Foi escritor e roteirista de 70 filmes (ganhou três Óscares por eles, "Kitty Foyle" 1940, "Roman Holiday", 1953 e "The Brave One", 1956; ganhou o Golden Globe e a Palma em Cannes, ambos em 1971, por "Johnny Vai À Guerra"), atuou em 3 filmes ("Papillon, 1973, Johnny Got His Gun, 1971 e The Prowler, 1951) e dirigiu em sua vida um único e marcante filme "Johnny Vai À Guerra (Johnny Got His Gun)", em 1971. É um filme trágico, escuro, uma "sátira" anti-guerra e um dos mais comoventes manifestos do cinema contra o absurdo da guerra.] Kirk Douglas, mesmo com os acontecimentos ruins acontecidos entre ele e Stanley Kubrick, nunca parou de amar o que fazia. A sua dedicação ao cinema é algo que sempre chamou a atenção de colegas, amigos e mesmo de adversários. Tendo realizado o seu primeiro filme em 1946, trabalhou atuando e produzindo durante 62 anos! Seu último filme "aconteceu" em 2008, "Empire State Building Murders", de William Karel, feito para a TV americana. Kirk, mesmo com uma série de problemas físicos e de saúde, nunca parou o seu ritmo de vida e profissional. Precisou desacelerar, apenas, algumas vezes, em razão de eventos que alteraram enormente a sua rotina de vida. Em 1991, ficou ferido, com queimaduras muito sérias, num acidente de helicóptero em Santa Paula, Califórnia, que foi abalroado por um avião. Ficou muito chocado pela morte dos dois pilotos, muito mais jovens que ele. Em 1996, sofreu um derrame que afetou seriamente sua fala. Precisou de fisioterapia e fonoaudiologia por anos para aprender a falar novamente. Enquanto isso, escrevia mais reflexões sobre si e a sua vida. Em 1997, o segundo volume de suas memórias, "Climbing the Mountain: My Search for Meaning", em 2002, "My Strokes of Luck", em 2007-2008, "Let's Face It: 90 Years of Living, Loving and Learning" e finalmente o quinto em 2014, "Life Could Be Verse: Reflections on Love, Loss and What Really Matters". Mesmo com certa dificuldade de locomoção e deslocamentos, após o derrame que havia sofrido em 1996, teve ainda dois surpreendentes retornos. O primeiro foi em 2009 quando, aos 92 anos de idade, sobe ao palco para interpretar "Before I Forget', um monólogo de 90 minutos que ele mesmo escreveu sobre a sua vida. Ainda realizou um documentário sobre essa "performance" (direção de Jeff Kanew). O segundo foi em 2011 para a cerimônia da 83a. edição do Óscar, na entrega do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante a Melissa Leo. Ele, junto com ela, foi uma das aparições mais marcantes da noite. Mesmo com certa dificuldade para articular as palavras, o seu bom humor e simpatia aos 94 anos, encantou a todos, incluindo Melissa, que havia ganho o prêmio pelo filme "The Fighter - O Vencedor", ao ser abraçada por Kirk. Como síntese do que vimos até aqui aqui, só posso concluir que qualidades de caráter e competência técnica e talento artístico nem sempre andam necessariamente juntos. Infelizmente. Para aqueles interessados em se aprofundar nas questões discutidas aqui há biografias e livros sobre um e outro disponíveis. Sobre Kubrick há o livro de David Mikics ("Stanley Kubrick - An American Filmaker", Yale University Press, 2020, 248 p.). Mikics se interessa menos pela vida pessoal de Kubrick (o que é uma pena) e mais sobre a sua filmografia, convenientemente ordenada de forma cronológica. É um bom livro para se ter uma vista geral de Kubrick e seus filmes. Há um outro livro, escrito em 2008, de Alison Castle, como editor, e Jan Harlan e Christiane Kubrick como autores em que exploram os arquivos de Kubrick - "The Stanley Kubrick Archives" (Taschen, 544 p.). Mais sobre Kubrick pode ser encontrado no livro "Stanley Kubrick: A Biography", de Vincent LoBrutto, Da Capo Press, 1999, 606 p. e no livro "Stanley Kubrick O Monstro de Coração Mole", de Marcius Cortez edição da Editora Perspectiva lançada em 2017 (com 216 p.). Sobre Kirk Douglas, que acabou sendo um bom escritor também, há 12 livros de lavra própria, entre reminiscências, autobiografia(s) e até um livro para o público juvenil. São cinco autobiografias (com diferentes propósitos e épocas diferentes), três novelas ("Dance with The Devil", 1990, "The Gift", 1992 e "Last Tango in Brooklyn", 1994), um infantil ("The Broken Mirror: A Novella", 1999), e três outros, de gêneros variados ("Young Heroes of Bible", 1999; "I Am Spartacus: Making a Film, Breaking The Blacklist", 2012; "Kirk and Anne: Letters of Love, Laughter, and a Lifetime in Hollywood", 2017, uma "autobiografia" do casal com mais de 60 anos de convivência, casados desde 1954). Há também os livros de Mário Abbade e Tony Thomas. O primeiro, "O Último Durão, O Centenário Kirk Douglas", escrito em 2016, foi publicado pela Editora Mario Abbade Neto. Tem 128 p. O segundo, "Kirk Douglas, Una Estrela Singular", foi publicado na Espanha pela T & B Editores, em 2003 e tem 248 p.
Em termos de reflexões pessoais, Kirk Douglas começou com aquela autobiografia de 1988, já referida, e continuou de forma relativamente regular até 2017, com o livro escrito em conjunto com sua mulher, Anne Buydens Douglas. Depois de 1988, ele escreveu em 1997, "Climbing the Mountain: My Search for Meaning", uma caminhada reflexiva para a espiritualidade e a retomada de sua identidade judia, "ouvindo" a voz do pequeno Issur que ainda vivia dentro de si. É uma autobiografia franca, escrita de forma carinhosa (Simon & Schuster, 269 p.). Em 2002, continuou com "My Strokes of Luck", com reflexões sobre a sua vida depois do ataque cardíaco sofrido em 1995, "Let's Face It: 90 Years of Living, Loving and Learning", de 2007-2008, encerrando em 2014 com "Life Could Be Verse: Reflections on Love, Loss and What Really Matters", continuando o mergulho em suas raízes judias.
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Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Demorou uma eternidade mas, finalmente, a obra-prima de Isaac Asimov - "Fundação" - será adaptada para as telas. A obra monumental de Asimov teve os direitos adquiridos pela Apple e pela Skydance, que irão produzir uma série para TV baseada na Trilogia Fundação, não de toda a obra que no total são cerca de 15 livros, constituindo um universo completo. Nomes de peso foram recrutados para a produção que promete, pelo menos na amostra do teaser liberada em junho, ser igualmente monumental e que já estão trabalhando com afinco para surpreender o mercado de fantasia e ficção científica. Dentre eles, estão confirmados os nomes de David S. Goyer (da trilogia "O Cavaleiro das Trevas", de Christopher Nolan, "O Homem de Aço", "Batman x Superman: A Origem da Justiça") como produtor, e o roteirista Josh Friedman (que escreveu o roteiro de "Terminator: The Sarah Connors Chronicles" e a versão recente de "Guerra dos Mundos", realizada por Steven Spielberg). Puxando pela memória, a adaptação da "Fundação", depois de ser decidido que ela poderia ser filmada, mesmo que com muita dificuldade, anos depois dela ter sido escrita, levou anos. Primeiramente, foi cogitado a realização de uma série de filmes para o cinema, depois a ideia foi migrada para a TV e diversas emissoras namoraram a ideia. Finalmente, em 2015, a HBO anunciou que iria tocar o projeto com Jonathan Nolan. No fim das contas a ideia não foi para a frente e a HBO optou por investir na série "Westworld". Com isso a Trilogia da Fundação, uma das séries literárias de ficção científica mais importantes e influentes de todos os tempos, ficou órfã, mais uma vez. O primeiro volume da trilogia original - "Fundação" - foi lançado em 1951. Os dois seguintes - "Fundação e Império" e "Segunda Fundação" - em 1952 e 1953, respectivamente. A Trilogia Fundação narra a odisseia da espécie humana durante milênios, após terem conquistado o espaço e se estabelecido como o grande Império Galáctico e tendo a participação do matemático Hari Seldon, inventor de uma nova disciplina científica chamada de Psicohistoria. Esta, através de conceitos de psicologia e sociologia e métodos matemáticos e estatísticos, poderia prever o comportamento de sociedades inteiras durante os séculos e milênios vindouros. A história de vida de Isaac Asimov, um dos maiores e mais prolíficos escritores de fantasia e ficção científica do mundo e da série literária Fundação, em si, já é uma grande aventura. Tudo começou em 1941... precisamente no dia 1o. de agosto numa reunião dele com John Campbell, editor da revista especializada em ficção científica "Astounding Science Fiction" (que está completando 90 anos neste ano de 2020). Inspirado pela leitura recente da monumental obra "A História do Declínio e Queda do Império Romano", de Edward Gibbon, descrita em 6 alentados volumes, entre 1776 e 1788, ele resolveu escrever uma série de contos com uma história parecida, mas no gênero ficção científica. Essa série de contos, publicados a partir de 1942, quando Asimov tinha 21 anos de idade (ele publicava profissionalmente desde os 18), foram mais tarde expandidos e transformados em livros. Na cabeça criativa e fecunda de Asimov a série Fundação seria uma espécie de romance histórico do futuro com a consequente queda do Império Galáctico. Descreve os mil anos de agitação entre a queda desse primeiro Império e o surgimento do Segundo Império Galáctico. Por trás de tudo estaria a tal ciência chamada de Psicohistoria, inventada por ele e John Campbell naquela reunião de agosto. O primeiro conto foi publicado no número de maio de 1942 da "Astounding", seguido pelo segundo conto, em junho, na mesma revista. Os dois contos foram um sucesso imediato e Campbell "intimou" Asimov a escrever mais 6 contos que foram sendo escritos de forma paulatina até o final da década. No frigir dos ovos, no entanto, no fim da década estavam publicados efetivamente 5 histórias completas. Apesar do cansaço com os contos, um Asimov ainda concordou com a publicação da série de contos da Fundação em três volumes de livros: "Foundation" (Fundação), em 1951, "Foundation and Empire" (Fundação e Império), em 1952 e "Second Foundation" (Segunda Fundação), em 1953. O conjunto dos três livros passou a ser conhecido como a Trilogia da Fundação e é esta trilogia que serviu de inspiração para o projeto de série para TV da Apple. Apesar da boa história, os livros não venderam bem em razão da timidez (ou falta de recursos, melhor dito) da Gnome Press, a pequena editora semiprofissional que havia publicado os livros. Esse quadro mudou radicalmente quando a Doubleday Press comprou os direitos de publicação da Gnome (que nesse interim estava falida). A série Fundação então deslanchou e se transformou num fenômeno literário, inicialmente pela publicação da Trilogia num único volume (a mesma edição que a Hemus Editora, de São Paulo, publicou no Brasil em 1978, na Coleção Hemus de Ficção Científica) e depois por inserir o mesmo no "Science Fiction Book Club", um dos maiores clubes de livros do mundo (hoje com quase 10.000 associados). A expansão do universo da Fundação e dos Impérios continuou e foi fortalecida quando a série literária Fundação foi escolhida como a "Melhor Série de Todos os Tempos" na Convenção Mundial de Ficção Científica de 1966 reunida em Cleveland, além de ganhar os prêmios maiores da ficção científica, o Hugo e o Nébula. Com o sucesso editorial, de público e de crítica, Asimov foi sendo cada vez mais pressionado para dar continuidade a essa grande obra de ficção. Asimov conseguiu resistir à pressão por cerca de 20 anos, mas em 1981 finalmente ele escreve uma nova história para a "Fundação". Após reler, novamente, a Trilogia da Fundação ele publica em 1982 o quarto livro da série, "Foundations Edge" (Fundação II, no Brasil). O livro ficou durante 25 semanas como um dos "bestsellers" da lista do jornal New York Times. Aberta a comporta, represada por tanto tempo, vieram, em 1986, "Foundation and Earth" (A Fundação e a Terra). Depois desse quinto livro, vieram ainda, "Prelude to Foundation" (Prelúdio da Fundação), em 1988 e "Forward the Foundation" (Crônicas da Fundação), em 1993. Este,: já publicado postumamente, pois Asimov que havia nascido em Petrovich, na Rússia Soviética, em janeiro de 1920, havia morrido aos 72 anos no Brooklin, New York, em abril de 1992. Asimov, quando escreveu uma Nota do Autor, em 1988, para o livro Prelúdio da Fundação, faz um pequeno balanço dessa "aventura" literária da Fundação. Diz ele que quando escreveu o primeiro conto da série Fundação, em 1942, não sabia que isso seria apenas o início de uma série de histórias que acabaram por se estender ao longo de seis volumes e de um total de 650.000 palavras. Também não podia imaginar que essa série acabaria se fundindo às outras narrativas dele envolvendo robôs e os outros romances sobre o Império Galáctico, perfazendo um total (em 1988) de quatorze volumes e cerca de 1.450.000 palavras (!!). Ele mesmo não previu que seria publicado ainda mais um volume na série Fundação, o sétimo, Crônicas da Fundação. Como ele mesmo reconhece nessa Nota do Autor, depois do hiato de 25 anos entre 1957 e 1982, em que a série permaneceu "estagnada"_, quando a série foi retomada as interrelações entre livros, histórias e universos ficou complicada. Por isso mesmo ele elaborou uma espécie de "história do futuro" para guiar os novos leitores nesse universo. Com isso os vários livros são reorganizado numa nova ordem cronológica, não a das datas de publicação. Daí que se chega ao número de 14 volumes (na verdade são 15 com a publicação de um livro póstumo da Fundação, em 1993) com histórias relacionadas aos robôs, Império Galáctico e as Fundações: 1. The Complete Robot, 1982; 2. The Caves of Steel, 1954; 3. The Naked Sun, 1957; 4. The Robots of Dawn, 1983; 5. Robots and Empire, 1985; 6. The Currents of Space, 1952; 7. The Stars, Like Dust ..., 1951; 8. Pebble in The Sky, 1950; 9. Prelude to Foundation, 1988; 10. Foundation, 1951; 11. Foundation and Empire, 1952; 12. Second Foundation, 1953; 13. Foundation's Edge, 1982; 14. Foundation and Earth, 1983; 15. Forward the Foundation, 1993. Asimov foi autor de inúmeras obras de ficção científica e divulgação científica, além de um bom número de obras de não-ficção. Foi novelista, contista, ensaista, historiador, bioquímico e também escritor de livros didáticos. No total, escreveu ou editou mais de 500 volumes, dos quais "apenas" 463 são de sua lavra exclusiva. Ele pertenceu ao movimento literário da Era de Ouro da Ficção Científica (1938-1946) e junto com Robert A. Heinlein e Arthur C. Clarke formam o chamado "três grandes da fc". Incrivelmente, no entanto, Asimov com dezenas e dezenas de histórias altamente criativas vindas de uma mente em constante ebulição, teve poucas obras adaptadas para cinema, frente à sua produção tão grande. Mesmo com esse número "pequeno", são mais de 20 contando-se ideias, histórias, assessorias e consultorias diversas e até mesmo direção formal. Puxando pela memória e por consulta a fontes especializadas, chegamos, no entanto, a cerca de 30 títulos de filmes e das obras de onde veio a inspiração para a adaptação. Por ordem cronológica do ano de produção listamos o título do filme, o ano de produção, o diretor e a fonte original, quando passível de identificação. Aí estão eles: 1. Foundation, 2021, série da Apple TV+ em 10 episódios, baseado na Trilogia Fundação; 2. Helado Negro: Runaround, 2016, Patrick Nugent, curta de animação, história de Asimov; 3. 2047. Virtual Revolution, 2016, Guy-Roger Duvert, longa-metragem, agradecimento especial a Asimov; 4. Spell My Name with an S, 2014, Samuel Ali, curta- metragem, ideia original de Asimov; 5. Fórmula of Death, 2012, Behdad Avand Anuni , filme para TV, novela; 6. I, Robot (Eu, Robô), 2004, Alex Proyas e Avand Anuni, longa-metragem, livro Eu, Robô; 7. Nightfall, 2000, Gwyneth Gibbs, vídeo, história; 8. Bicentennial Man (O Homem Bicentenário), 1999, Chris Columbus, longa-metragem, novela "The Positronic Man" e conto "The Bicentennial Man", com Robert Silverberg; 9. The Android Affair, 1995, Richard Kletter, filme para TV, história de Asimov; 10. Isaac Asimov's Vision of The Future, 1992, Richard A. Diercks, doc. para TV, roteiro de Asimov e Diercks; 11. Teach 109, 1989, Richard Kletter, curta-metragem, história de Asimov e Kletter; 12. Feeling 109, 1988, Richard Kletter, curta-metragem, história de Asimov e Kletter; 13. Isaac Asimov's Robots, 1988, Doug Smith e Kim Takao, vídeo, novela I, Robot; 14. Probe, 1988, Leslie Stevens, série de TV, assessoria científica de Asimov, William Link e Michael I. Wagner; 15. Nightfall (Planeta Infernal), 1988, Paul Mayersberg, longa-metragem, história; 16. Future Flight, 1987, Harrison Engle, especial para TV, consultor para vôos espaciais; 17. Konets vechnosti (The End of Eternity), 1987, Andrei Yermash, União Soviética, longa-metragem, novela The End of Eternity; 18. Gandahar, Os Anos de Luz, 1987, René Laloux, longa-metragem de animação, adaptação da versão americana; 19. Salvage1, 1979, criação de Mike Lloyd Ross, assessor científico em 6 episódios; 20. Star Trek: The Motion Pictures, 1979, Robert Wise, longa-metragem, consultor científico; 21. All The Troubles of The World, 1978, Dianne Haak-Edson, curta-metragem, história original; 22. The Ugly Little Boy, 1977, Barry Morse e Don Thompson, filme para TV, história; 23. A halhatatlauság halála, 1977, András Rajnal, Hungria, filme para TV, novela; 24. Robotiks: Isaac Asimov's (Clank! Clank!) Artificial Man, 1976, Isaac Asimov, ideia e direção; 25. A History of Science Fiction from 1938, 1971, Isaac Asimov e James Gunn, doc. curta-metragem, roteiro de Asimov; 26. Out of Unknown, 1965-1971, Michael Ferguson, Eric Hills e mais 26, série de TV, Asimov foi autor de histórias de 6 episódios entre 1965 e 1969; 27. El Robot Embustero, 1966, Antônio de Lara, Espanha, curta-metragem, história; 28. Story Parade, 1964-1965, Alan Gibson e mais 15, série de TV, Asimov teve 1 episódio; 29. Out of This World, 1962, Peter Hammond e mais 7, série da TV britânica, história de 1 episódio; 30. Captain Video and His Video Rangers, 1953, Steve Previn e mais oito, série de TV, roteiro de um episódio. Voltando ao início, ou seja, o que já se sabe sobre a série Foundation, pode-se adiantar que não é muita coisa. A Apple planejou a estreia para 2021, inicialmente com 10 episódios, numa produção de vários nomes importantes, como Robyn Asimov (a filha de Asimov), Adam Banks, Leigh Dana Jackson, Macdara Kelleher e Victoria Morrow. O roteiro para a série é de Lauren Bello, Marcus Gardley e outros, tendo como base a Trilogia Fundação do Asimov. Em termos de direção estão confirmados Jennifer Phang e Rupert Sanders. No elenco, muitos nomes, como seria de se esperar para uma obra como Fundação: Cássio Bilton (irmão Dawn), Laura Birn (Demerzel), Jared Harris (Hari Seldon), Leah Harvey (Salva), Lou Llobell (Gaal), Terence Mann (irmão Dusk), Lee Pace (irmão Day) e Buddy Skelt (Keir). Todo o resto é segredo, guardado a sete chaves pela Apple e a Skydance. Então, só nos resta torcer e aguardar com ansiedade a chegada de 2021.
Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] Dados de 2015 mostram que a Nigéria, país da África Ocidental, situado no Golfo da Guiné, e composto de 36 Estados e um Território Federal (Abuja é a sua capital), através de seu polo produtor de cinema - Nollywood - obteve o 1o. lugar no mundo na quantidade de filmes produzidos, fazendo com que ele tenha o 3o. maior faturamento do mundo relacionado com cinema (atrás apenas de Hollywood, EUA e Bollywood, Índia). Nessa produção, são empregados mais de 1 milhão de pessoas (numa população de 195,8 milhões, segundo dados de 2018), formando uma massa de empregos que é a segunda do país, perdendo apenas para a agricultura. Ele é o 4o. setor econômico mais importante do país contribuindo com 5% do PIB da Nigéria (que é de 397,3 bilhões de dólares). Nollywood produz uma média de 1.500 filmes por ano (cerca de 15 vezes a produção cinematográfica brasileira). São certificados pelo "National Censorship Board" cerca de 125 filmes por mês. É a única fonte oficial de informações, responsável pela classificação indicativa dos filmes e, por isso mesmo, não muito confiável. O que significa que a produção real é muito maior do essa. Nollywood faz um cinema que procura dar conta das diversas tradições e estilos de vida existentes num país que possui quase 200 milhões de habitantes, divididos em cerca de 389 grupos étnicos (29% de haúças, 20% são igbos e 20% de iorubás), que falam cerca de 250 idiomas. O fenômeno do cinema nigeriano tem raízes na década de 1980, quando a violência começou a afugentar o público dos cinemas e as pessoas "preferiam" ficar em casa. É preciso lembrar que a Nigéria havia adquirido sua independência do Reino Unido apenas cerca de 20 anos antes, em 1o. de outubro de 1960. Com as pessoas em casa e com a força do então nascente mercado de vídeo-cassete, mesmo que no início ainda para uma elite econômica local, se explica o desenvolvimento acelerado deste meio de se fazer e divulgar cinema. Do apenas assistir fitas em betacam e VHS (de início importadas ou pirateadas), paralelamente, se começou a contratar serviços de produção de filmagens de eventos pessoais, como casamentos, formaturas, aniversários e enterros. Esses filmes "pessoais" também passaram a ser exibidos para amigos e convidados. Com isso, a "indústria" de produção de vídeos "caseiros" passou a diversificar com filmagens também de peças teatrais. Daí para a produção de filmes com os atores, atrizes e diretores das companhias de teatro, foi um pequeno passo. A produção cinematográfica propriamente dita, no entanto, na forma de um mercado quase caseiro de fitas cassete (hoje, com a redução dos custos da tecnologia digital, os filmes são na sua grande maioria em mini-DV), é comumente creditada ao início dos anos 1990, quando a ausência total de salas de cinema e de incentivos e financiamento paralisou completamente a ainda incipiente indústria cinematográfica nacional. A partir daí, a produção televisiva se fortaleceu e as séries locais viraram um fenômeno de audiência, com seus atores ganhando prestígio nacional. E assim nasceu... a Nollywood como a conhecemos hoje! Ainda em meados daquela década as produções em formato digital proliferam em uma escala sem precedentes. Desde então, a cada semana são produzidos cerca de 30 filmes. A produção é realizada em diferentes línguas, assim como acontece com as produções de Bollywood, na Índia. Cerca de 40% é em pidgin nigeriano (o inglês local), 35% em iorubá, 17,5% em haúça e os 7,5% restantes em outras línguas e dialetos locais. Uma produção média de Nollywood é realizada em cerca de 10 dias e custa aproximadamente 15 mil dólares. Estima-se que cada filme venda cerca de 25.000 cópias em 10 dias, cada uma delas por 2.300 nairas, a moeda nigeriana (o equivalente a cerca de 3,50 dólares). Ou seja, metade do custo de um filme se paga nos primeiros 10 dias. Outro retorno vem como parte do aluguel das videolocadoras cujo custo é de 200 nairas por fita ou DVD, o equivalente a 0,30 centavos de dólar americano. A margem de lucro dos produtores é modesta, mas jogam mais na quantidade do produto vendido do que no preço. Com esse espírito de comercialização, o mercado cinematográfico nigeriano cresceu, em cerca de 15-20 anos, do zero a cerca de 250 milhões de dólares por ano. Na atualidade há cerca de 300 diretores em atividade produtiva. A maior parte dos estúdios estão sediados nas cidades de Lagos e Enugu. Estes filmes são lançados diretamente em locadoras, cineclubes (há cerca de 15.000 deles) e mercados das cidades e nos mais variados tipos de comércio. Quase que imediatamente, ao lado desse comércio legalizado, há o comércio da pirataria que se apropria dos lançamentos em menos de uma semana (daí a necessidade de uma produção contínua de novos filmes). Os preços das cópias e locações são compatíveis com os preços do mercado pirata na tentativa de poder competir de igual para igual, mas mesmo assim a pirataria é, também, um problema grave na Nigéria. A ânsia por imagens e enredos comuns e familiares por parte dos nigerianos fez com que os filmes fossem consumidos, no início, mesmo sem grandes qualidades técnicas. Mas ganhavam o público por apresentarem uma estética e linguagem próxima da realidade local. As produções de Nollywood são os exemplos mais bem sucedidos de auto representação no cinema africano. Desde o fim da colonização a Nigéria, e a maioria dos outros países da África lidaram, e lidam ainda hoje, com a necessidade de restabelecer sua sociedade. Não apenas no que tange à política e à economia, mas também à cultura, tradições e a religiosidade, aspectos esses que foram afetados, quando não estrangulador, com o domínio europeu. Filmes e Diretores A oferta de filmes nigerianos no Brasil é pequena. São difíceis de encontrar nos cinemas brasileiros e também no mercado de dvd's, mesmo que em versões piratas. Em 2012, no mês de novembro, na sala de exibições da Caixa Cultural, no Rio de Janeiro, houve a programação da Mostra Nollywood - O Caso do Cinema Nigeriano, com exibição de filmes, promoção de debates e de conferências. Foram cerca de 12 filmes, alguns deles nunca exibidos no Brasil, mostrando diversos exemplos de filmes desde 1992 até os de produção mais recente à época (2011). Os títulos e seus diretores, alguns deles marcando presença no Brasil pela primeira vez, foram: "Living in Bondage", o primeiro blockbuster nigeriano, de 1992, de Chris Obi Rapu, "Ti Oluwa Ni", 1993, de Tunde Kelani, "Mortal Inheritance," 1995, de Andy Amenechi, "Domitila", 1996, de Zeb Ejiro, "Issakaba", 2001, de Lancelot Oudua Imasune, "Tango with Me", 2011, de Mahmood Ali Balogun. Outros nomes mais conhecidos são: "Aki na Ukwa", de 2002, de Amayo Uso Phillips, "Ousofia in London", 2003, de Kingsley Ogoro, "Emotional Crack", 2003, de Lancelot Imasuem, "Check Point", 2006, de Bond Emeruwa, "The Figurine: Araromire", 2009, de Kunle Afolayan. Atores e Atrizes Dentre os mais conhecidos e famosos podemos citar: Funke Akindele, Chinedu Ikedize, Eniola Badnius, Paira Iheme, Patience Ozokwon, Victor Osuagwu, Chiwetalu Agu, John Okafor, Nafisa Abdullahi, Regina Askia, Iria Edo, Hadiza Gabão, Iyabo Ojo, Yrel Edochie, Chioma Chukwuka, Lola Oyewo, Alex Ejubo. Disseminação dos filmes Além da venda direta efetuada pelos produtores e diretores, e dos próprios artistas, e pela venda das cópias piratas, há outras formas de disseminação dos filmes:
Aos interessados no polo Nollywood há vários documentários realizados desde 2007, sendo o mais recente de 2020. O primeiro, com 55 minutos, foi dirigido por Franco Sacchi em 2007, nos EUA, de título "This Is Nollywood". Foram seguidos por "Welcome do Nollywood", também de 2007, com 58 minutos, realizado por Jamie Meltzer, nos EUA também. Em 2008, Ben Addelman e Samuel Mallal realizaram no Canadá o "Nollywood Babylon", com 74 minutos de duração, enquanto o diretor francês Julien Hamelin realizava o seu doc "Nollywood, le Nigeria fait son cinema", na França, em 2009. Mais recentes, são os documentários de 2016 e 2020, realizados na Nigéria e na Alemanha, respectivamente, por Tope Oshin e Johannes Preuss. O de Tope, com 41 min, é "Amaka's Kin: The Women of Nollywood". O de Preuss, com 65 min, é "Nollywood - Filmbusiness African Style". |
AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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