Laísa Trojaike Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Espiral - O Legado de Jogos Mortais chega com um tremendo peso nas costas: os filmes da franquia original ficaram muito conhecidos pela espécie de pornô gore que apresentaram ao longo de oito volumes (se incluirmos o filme de 2017), além de ter entrado para história como uma das franquias de terror mais bem-sucedidas de todos os tempos. Espiral, no entanto, é um spin-off que faz justiça ao gênero que não pôde ser tão explorado no início pelo baixíssimo orçamento de Jogos Mortais. Além disso, nossa memória não deve retomar apenas o body horror das armadilhas de Jigsaw, que certamente impactaram a nossa mente, mas também ajudaram a desviar a atenção do público para o que se desenvolvia nas entrelinhas. Espiral, portanto, é muito mais um spin-off do lado detetive de Jogos Mortais e deixa o horror um pouco de lado. Ainda assim, o gore está lá, mas desta vez ele é muito mais fundamentado e serve ao conteúdo, não sendo a atração principal da obra. Com isso, o novo filme se aproxima muito mais de um clássico que é uma forte influência da franquia: Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995), de David Fincher. Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers. ComparaçõesApesar de eu ter citado Seven, as relações não devem passar muito das conexões, isso porque pode ser injusto comparar Espiral com qualquer coisa que foi feita até agora, já que o filme se coloca como o início de uma nova história. A comparação qualitativa fica ainda mais injusta se lembrarmos que Fincher já é um dos grandes diretores da história do cinema, enquanto James Wan (diretor do primeiro Jogos Mortais) foi um dos cineastas responsáveis por sedimentar a direção de Fincher como algo que merece ser homenageado. Imagem: Reprodução/Paris Filmes Estamos vendo um processo artístico se firmar e passar de uma geração a outra. O que Fincher e A Bruxa de Blair (outra grande inspiração de Wan) fizeram não pode ser ofuscado por Jogos Mortais, porque sempre são reverenciados por esta franquia, assim como inúmeros outros títulos que foram homenageados, inclusive através das armadilhas da franquia original, com direito a “versões” de mortes que vimos no Suspiria de Dario Argento (arames enfarpados), em Hellraiser: Renascido do Inferno (ser despedaçado por diversos ganchos vindos de todas as direções) ou em uma das maiores raízes do terror ocidental, Edgar Alan Poe (o pêndulo, claro). Embora esse nível de referência a clássicos não se repita tanto em Espiral, isso diz muito sobre o spin-off. O novo filme não tem mais a direção de Wan, mas conta com a mão de Darren Lynn Bousman, que dirigiu Jogos Mortais 2, Jogos Mortais 3 e Jogos Mortais 4, o que certamente lhe garante um bom conhecimento interno do funcionamento do universo. Podemos questionar seu estilo de direção ou dizer que não nos agradou em comparação à direção de Wan, mas pode ser pretensioso demais dizer que ele não fez um filme digno dos clássicos. Imagem: Reprodução/Paris Filmes Espiral não quer ser Seven, mas, assim como todos os demais Jogos Mortais, tem uma tremenda inspiração no clássico. Além disso, o novo longa-metragem parece estar muito mais interessado em trazer outra parte da franquia à tona, o que pode decepcionar profundamente quem estava esperando mais mortes bizarras e vai acabar encontrando um drama policial complexo interrompido por um pouco de gore. Não podemos dizer que o filme não avisou: o subtítulo em português e a versão original From the Book of Saw ("Do Livro de Jogos Mortais", na tradução literal) avisam que se trata de uma nova vertente, inspirada na saga John Kramer. Mas não é John Kramer, portanto é necessário um filme completamente diferente. Ainda além, precisamos considerar o processo de feitura dos filmes. Jogos Mortais sobreviveu graças à criatividade (e esforço) de Leigh Whannell e James Wan. O processo foi tão complicado que algumas das características estéticas do primeiro filme não eram exatamente intencionais, tendo surgido como fruto da necessidade de preencher espaços para os quais não haviam filmagens. A montagem, felizmente, acabou ajudando no terror, mas já sabemos há muito tempo que esse não é um gênero muito exigente nesse sentido. Para fazer um filme de detetive, as necessidades são outras. Alguém lembra do sonho de Jill Tuck em Jogos Mortais: O Final? (Imagem: Reprodução/Paris Filmes) Espiral teve alguma moral para conseguir um orçamento inédito para a franquia: US$ 40 milhões, um salto impressionante diante dos US$ 4 milhões de Jogos Mortais 2, que viraram US$ 10 milhões ao longo da franquia, chegando a US$ 20 milhões em Jogos Mortais: O Final. Retrospectivamente, o bastante criticado Jogos Mortais: Jigsaw parece ter feito milagres com seus US$ 10 milhões. O salto qualitativo das possibilidades financeiras é nítido no spin-off. Do Livro de Jogos MortaisO subtítulo de Espiral nos dá uma pista do que provavelmente só descobriremos no decorrer da nova franquia. John Kramer é o cerne da saga de James Wan, mas foi nas mãos de Darren Lynn Bousman que vimos Jogos Mortais se desenvolver como um verdadeiro quebra-cabeças metalinguístico, fazendo uma autorreferência à “peça” que Jigsaw remove da pele de suas vítimas e que rende seu apelido, que significa “quebra-cabeças” em inglês. Imagem: Reprodução/Paris Filmes Ao longo de sete anos é mais difícil de perceber o quebra-cabeças que é a montagem de toda a franquia, com personagens do primeiro filme retornando no último para a maior revelação de todas. Bousman começa indicando que o filme é só a primeira peça de um quebra-cabeças surpresa que torço muito para que nos leve a um novo nível de Jogos Mortais. Espiral tem esse potencial todo. O primeiro impacto certamente foi o visual, sobretudo para quem acompanhou a divulgação desde o princípio, quando o primeiro pôster trouxe uma utilização realmente interessantede Teal & Orange, efeito fotográfico com tons de verde-azulado e laranja geralmente utilizado em blockbusters. Imagem: Reprodução/Lionsgate/Twisted Pictures Embora possa soar como uma aposta perigosa, gosto de ler esse pôster como a entrada da franquia no mundo dos blockbusters: apesar de ter sido um imenso sucesso, Jogos Mortais sempre teve a alma trash. Espiral abandona essa raiz e permite que a nova franquia pense novas possibilidades para as quais o novo filme é apenas um prólogo. E o Chris?Ame ou odeie o Chris, ele é melhor que qualquer ator ou atriz da franquia Jogos Mortais (excetuando, claro, Tobin Bell, que já entrou para o panteão dos grandes vilões/anti-heróis do terror). O elenco ainda conta Samuel L. Jackson sendo Samuel L. Jackson (o que também é uma homenagem metalinguística e crítica à carreira do ator) e com Max Minghella, que nos engana mais ou menos como fez em The Handmaid's Tale: enquanto na série não conseguíamos saber se ele era aliado ou inimigo da protagonista, no filme ele nos engana bastante ao bancar o mocinho inexperiente que se revela serial killer. Essa revelação, inclusive, pode ser antecipada com alguma facilidade (que deve ser ainda maior para os fãs de filmes de detetive), mas isso diz muito mais sobre a fragilidade do roteiro de Josh Stolberg (Piranha 3D) e Pete Goldfinger (Jogos Mortais: Jigsaw) do que sobre a atuação de Minghella, perfeito ao bancar o “vilão” perfeitinho, traumatizado e que realmente considera estar certo, enquanto a sociedade ao seu redor não vê as virtudes do seu trabalho. Um alvo apetitoso para o verdadeiro herdeiro Jigsaw, Dr. Lawrence Gordon. Inclusive, seria um deleite poder ver o retorno de Cary Elwes, hoje um ator muito mais experiente e que nos deixou na mão com o futuro após a revelação da natureza do seu personagem lá em 2010. Imagem: Reprodução/Paris Filmes Além do ótimo trabalho de Minghella, nossa atenção também é distraída das pistas da sua dupla vida por Chris Rock, cujo personagem age como um ímã da nossa atenção ao ficar cada vez mais encurralado. A projeção vocal de Chris Rock, seu flow cômico e seu posicionamento dramático como pistoleiro solitário ajudam a nos manipular na direção do que é o grande truque do ilusionismo (pai do cinema). Em outras palavras, a escalação de atores criou a química perfeita para potencializar a imprevisibilidade do final nos fazendo focar no que era efeito colateral, enquanto diversas pistas eram jogadas na nossa cara e, assim como Zeke (Rock), não percebíamos o que estava diante dos nossos olhos. PigsA escolha do politizado Chris Rock também não é gratuita, e quem viu seus shows stand up sabe que o comediante não pega leve quando o assunto é racismo. Isso transborda em seu personagem, que amplia o discurso do policial negro, um detalhe que permeia toda a franquia Jogos Mortais, basta um olho atento para notar. Espiral escancara o subtexto crítico da franquia original e isso é o que há de mais significativo na nova franquia. Imagem: Reprodução/Paris Filmes Embora tenha sido gravado antes da amostra de apocalipse que estamos vivendo, é sensato imaginar que, após presenciarmos tanta violência e uma pandemia, não é momento para nos divertirmos com imagens gráficas de pessoas sendo estripadas. Nosso psicológico não está mais em condições para isso e é interessante ver como Espiral ficou ainda mais significativo com o adiamento da sua estreia. A produção é anterior ao Movimento Black Lives Matter, mas ganha força ao somar mais uma voz como registro de uma era. O isolamento de Zeke no Departamento de Polícia ajuda a expor a realidade de policiais negros que tentam remar contra a maré, assim como vemos de uma forma mais leve, mas não menos incisiva, em Brooklyn 99. É delicioso também como o filme recicla os estereótipos do bom e do mau policial. Jogos Mortais trazia o estereótipo do bom policial das séries televisivas e os tornou vilões em seu contexto, fazendo uma crítica complexa (e enviesada) à classe policial. Em Espiral, a denúncia não recai necessariamente sobre um estereótipo racial, já que o pai de Zeke também é revelado como um policial corrupto, mas diz respeito a uma velha guarda (exposta também pela direção de arte meio retrô) que não deixa de agir segundo antigas decisões que, hoje, já se provaram inadequadas, mas seguem sendo executadas de acordo com a conveniência pessoal de cada policial. O filme nos mostra, inclusive, o esteriótipo policial a partir do qual são forjadas as caricaturas Hitchcock (Dirk Blocker) e Scully (Joel McKinnon Miller) de Brooklyn 99. O que o Jigsaw deste novo filme pede é o mesmo que foi pedido nas ruas após os trágicos eventos envolvendo George Floyd: uma renovação da classe policial dos EUA. Imagem: Reprodução/Paris Filmes Com isso, os porcos também foram ressignificados. Em Jogos Mortais, os animais remetem ao ano do porco, período do calendário chinês para o qual John Kramer havia planejado o nascimento do seu filho, cuja perda rendeu o trauma que originou Jigsaw. Em Espiral, o ícone precisava ser repetido, porque faz parte da mitologia do universo (assim como o boneco, as serras, a espiral vermelha etc.), mas obviamente precisava ser ressignificado para um novo Jigsaw. O trocadilho esteve na nossa cara o tempo todo: “pigs”, em inglês, é uma gíria (geralmente depreciativa) para policiais. Para não dizer que tudo é interessante e potencialmente incrível, a voz do novo Jigsaw é decepcionante por ser menos ameaçadora e quase cômica às vezes. No entanto, há um quê de “voz do Google” distorcida, que pode ser bem interessante para os futuros desdobramentos da história, sobretudo se lembrarmos que um dos maiores vilões da franquia foi revelado justamente por sua voz e faria todo sentido a utilização de uma voz que, quando revelada, mostrará outra coisa que não o procurado Jigsaw. Momento belíssimo da fotografia que mostra o isolamento de Zeke por não ter se silenciado ou feito vistas grossas (Imagem: Reprodução/Paris Filmes) Espiral - O Legado de Jogos Mortais não é uma obra-prima como é Jogos Mortais, mas tem muitos bons ingredientes para desenvolver uma franquia spin-off realmente digna e memorável. É um filme com gosto de introdução e que já parece determinada a brincar conosco ao longo de muitos anos. Para quem gosta muito do universo, vale a pena maratonar a franquia original para sentir melhor como o espírito de Jogos Mortais é reproduzido e muito respeitado nesta nova empreitada, que pode marcar a divisão entre os fãs do gore e os fãs do suspense do filme original.
*Texto publicado originalmente no site Canaltech.
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Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Este “velho” e brilhante documentário de apenas 9 minutos realizado em 1977 por Charles Eames (1907-1978) e sua mulher Ray Eames (1912-1988) é impressionante por pelo menos dois motivos. O primeiro, pela brilhante ideia e pela sua capacidade de síntese de usar saltos de 10 segundos para cada mudança da potência de 10 para dar um mergulho, a partir de uma cena bucólica de um piquenique de um casal de namorados num campo próximo ao Lago Michigan, próximo ao Soldier Field, em Chicago, na superfície da Terra, para a imensidão do espaço e no caminho inverso para as profundezas do corpo humano. O segundo, pela permanência dessa ideia e pela própria técnica de realização que permite que esse pequeno documentário seja apreciado com a mesma surpresa e rigor científico após mais de 50 anos depois (a ideia do filme começou a ser desenvolvida pelos dois em 1963). O documentário Powers of Ten trabalha com a grandeza relativa das coisas a partir das pesquisas que o casal Charles e Ray Eames faziam e quiseram pôr lado a lado as concretudes presentes no universo. O resultado disso foi Potências de 10, um dos mais fascinantes curta-metragens já produzidos. Isso a partir de um teste inicial em 1963, uma versão intermediária em 1968 e o trabalho final em 1977. A câmera põe em foco um tranquilo piquenique em Chicago, onde um casal está sobre a grama ensolarada. É a partir deles que se inicia uma viagem aérea, espacial, galáctica, celular, molecular e atômica onde o trabalho de medição das grandezas relativas acaba por nos fazer encontrar conexões íntimas, quase que orquestradas, entre cada peça visível ou invisível do nosso redor e do nosso interior. Os filmes, em qualquer de suas versões, retratam a pesquisa de acordo com um universo de magnitude (uma escala logarítmica) de base 10 que se expande até os fins do universo depois até dentro de um único átomo. As maçãs, os átomos, os planetas, as árvores, os anéis de Saturno, os poros, os continentes, as nuvens... têm seu perfeito encaixe métrico explorado em escalas que vão de 1025 a 10-18: o tamanho do universo conhecido e o tamanho da menor partícula subatômica conhecida, pelos dados da época. O curta, escrito e dirigido pelo casal Charles e Ray, ambos designers e norte-americanos, teve distribuição feita pela IBM e reflete, em suas passagens, o fascínio e otimismo que os avanços tecnológicos e as ciências exatas exerceram sobre as pessoas naqueles anos das décadas de 1960 e 1970. Talvez isso nos permita observar o filme com um fascínio especial; é deixar de lado, por menos de nove minutos, a certa desilusão que persegue nossos dias de hoje. O documentário foi dirigido por Charles e Ray Eames baseado no livro do educador holandês Kees Booke, Cosmic View. Foi narrado na versão experimental de 1968 por Judith Bronowski e por Philip Morrison na versão definitiva de 1977. A música que acompanha a narração é de Elmer Bernstein. A distribuição foi da IBM e da Pyramid Films. O filme pode ser visto hoje em vários canais de streaming e no Youtube. A primeira versão do filme, Um esboço para uma proposta de filme com os poderes de um filme e o tamanho relativo das coisas no universo, foi um compromisso e foi concluído em 1968; o segundo filme, Powers of Ten: A Film Dealing with the Relative Size of Things in the Universe and the Effect of Adding Another Zero, foi concluído em 1977. Ambos os filmes, e um livro baseado no segundo filme, seguem a forma do original de Boeke, adicionando cor aos desenhos em preto e branco empregados por Boeke em seu trabalho seminal. O filme de 1977 tem uma série de mudanças em relação ao original, incluindo o movimento para um lado e outro, ser colorido, movendo o local de partida de Miami para Chicago, removendo a dimensão relativística (tempo), introduzindo duas potências de dez adicionais em cada extremo, uma mudança no narrador de Judith Bronowski para Philip Morrison e gráficos muito melhorados. Em 1998, Powers of Ten, a versão de 1977, foi selecionado para preservação no National Film Registry dos Estados Unidos pela Biblioteca do Congresso como sendo "culturalmente, historicamente ou esteticamente significativo”. Há também um filme do National Film Board of Canada, de 1968, intitulado Cosmic Zoom, que cobre o mesmo assunto usando animação. É sem palavras, usando música acelerada durante as viagens de volta ao tamanho normal. A versão de 1977 começa com uma visão aérea de um homem e uma mulher fazendo um piquenique em um parque à beira do lago Michigan, em Chicago, numa imagem de 1 metro quadrado, em um cobertor cercado por comida e livros que trouxeram com eles, um deles The Voices of Time , de J.T. Fraser. O homem (interpretado pelo designer suíço Paul Bruhwiler) dorme, enquanto a mulher (interpretada pela funcionária da Eames Etsu Grafias) começa a ler um dos livros. O ponto de vista dos autores, acompanhado por uma narração expositiva de Philip Morrison, vai lentamente para uma visão de 10 metros de largura (ou 101 metros em notação científica). O zoom-out continua (a uma taxa de uma potência de dez a cada 10 segundos), para uma visão de 100 metros (102 metros) (onde podem ser vistos o Burnham Park, perto de Soldier Field, 1 quilômetro (103 metros) (onde vemos a totalidade da cidade de Chicago), e assim por diante, aumentando a perspectiva e continuando a diminuir o zoom para um campo de visão de 1024 metros, ou um campo de visão de 100 milhões de anos-luz de diâmetro. A câmera para, então, e volta para trás a uma taxa de potência de dez a cada 2 segundos, chegando à superfície da mão do homem e, então, volta à sua taxa original de potências de dez, 10-1 (10 centímetros), e assim por diante, revelando uma célula da pele e ampliando-a – até que a câmera chegue a quarks em um próton de um átomo de carbono a 10-16 metros. 6 momentos importantes neste vídeo: De 02:11 A Lua De 02:23 A Terra De 03:49 A Galáxia Via Láctea De 04:22 1 bilhão de anos-luz De 07:14 Numa escala atômica De 07:49 O espaço interior Há outros filmes realizados pelos Eames. Realizaram mais de 100 filmes, iniciando em 1950 (Traveling Boy), todos curta-metragens, mesclando ficção, experimentais e documentários, sendo o último filme de 1978 (Art Game). Outros destaques são: Do-nothing Machine, Where Did You Go? Out. What Did You Do? Nothing (1960), 2n: A Story of the Power of Numbers (1961), A Rough Sketch for a Proposed Film Dealing with the Powers of Ten and the Relative Size of Things in the Universe (1968), The Lick Observatory (1968), Decorator Crab (1969), Kepler's Laws (1974), Art Game (1978), Cézanne (1978). Quanto aos livros a que nos referimos, encontráveis em qualquer bom livreiro, são:
Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Ozark é uma das produções mais incríveis dos últimos anos, competindo em termos de qualidade e da temática amoral com a sempre referenciada Breaking Bad (2008-2013, 5 temporadas, 62 episódios, criação de Vince Gilligan), mas com uma pitada de The Sopranos. (1999-2007, 6 temporadas, 86 episódios, criação de David Chase). A série renova o gênero extrapolando-o para uma construção minuciosa de atmosfera, onde a fotografia, roteiro, direção e trilha sonora trabalham juntos para criar o clima ideal de mistério – que é percebido de longe desde o início. Ozark é uma série de televisão norte-americana de drama e suspense criada por Bill Dubuque e Mark Williams, produzida pela Media Rights Capital, com Jason Bateman (Marty Byrde), Laura Linney (Wendy Byrde). Conta atualmente com 4 temporadas, iniciada em 2017, e 44 episódios, tendo sofrido uma interrupção em 2019 e 2021. A 4ª. e última temporada começou a ser exibida na Netflix em 2022. As atuações são fantásticas, o roteiro muito bem construído e a fotografia em tons sempre azulados torna a trama e o seu desenrolar ao longo das 3 temporadas “fria”, representando de forma adequada os sentimentos e objetivos de seus principais personagens. A série acompanha o trágico destino criminoso da família Byrde, obrigada a lavar dinheiro para um cartel mexicano após a descoberta de que o sócio de Marty Byrde (Jason Bateman) estava desviando milhares de dólares. Acuados pelos traficantes, a família não vê alternativa a não ser mudar-se para a região pantanosa de Ozarks e trabalhar lá para pagar a dívida deixada pelo ex-sócio. Além de lidar com o cartel, Marty e Wendy (Laura Linney) precisam conciliar seus negócios com a própria família e com os… “negociantes” locais. Em um dos melhores pilotos que já vi nos últimos tempos, a série nos apresenta seu protagonista, o anti-herói Marty Byrde (Jason Bateman), infeliz consultor financeiro de Chicago que, após ser acusado de desviar 8 milhões de dólares de um cartel mexicano e ter sua família ameaçada de morte (que , efetivamente foi realizada... mas por seu sócio) se vê na obrigação de se mudar para os arredores do lago de Ozark (daí o nome da série), um local afastado onde pode realizar lavagem de dinheiro sem a preocupação de ser pego tão facilmente. Com esse princípio em mente, ele passa a viver em prol da dívida que possui com seu chefe, Del (Esai Morales), que a qualquer momento pode desistir de Marty e tirar sua vida. Esse contexto se apresenta como a história principal, que claramente é a busca do protagonista em sustentar e proteger sua família que é composta por sua esposa Wendy (Laura Linney), sua filha de 15 anos, Charlotte (Sofia Hublitz), e seu filho de 13 anos chamado Jonah (Skylar Gaertner). O arco familiar dá abertura para o desenvolvimento de outras narrativas secundárias, o que caracteriza Ozark como uma série, e não um filme. Outras famílias e personagens assumem sua importância na produção a partir do segundo episódio, em que seus conflitos se correlacionam com Marty e sua família, que tentam a qualquer custo aprender a lidar com o FBI, uma família de ladrões, traficantes, um ingênuo agente imobiliário, um pastor aflito e muita confusão. Um dos grandes trunfos da série é a caracterização dos personagens. Além dos principais (Marty e a explosiva Wendy), o roteiro dedica um pequeno tempo para contar um pouco mais sobre outros personagens. Jonah é um jovem estranho e curioso. Charlotte uma garota que só quer ser normal e se divertir. As atuações são todas boas, mas quem se destaca nesse meio é o casal Jason Bateman e Laura Linney, que cumprem com seus papéis com esmero e não deixam a desejar. Ozark é uma daquelas séries com marcas registradas. Ou seja, do mesmo jeito que pensar em metanfetamina te lembra Breaking Bad ou pensar em mulheres de vermelho te lembra The Handmaid’s Tale, pensar em dinheiro, lentidão e na cor azul te fará lembrar de Ozark. Tudo acontece devido ao dinheiro, o qual adquire um simbolismo deprimente e problemático durante a narrativa. Chega o momento em que altas quantias no bolso soam como um problema, e não como uma solução. Além disso, reflexões pesadas são feitas em cima do significado do dinheiro dentro da sociedade. E o que não falta aqui são simbologias muito bem trabalhadas ora pelos diálogos, ora pelos enquadramentos estratégicos. Já a lentidão está presente nos roteiros de cada temporada. São 10 episódios por temporada, das 3 que estão na grade, cada um com 1 hora de duração. A trama é lenta, e os acontecimentos grandes demoram a acontecer, mas o foco aqui é a paciência e a imersão do telespectador. Falamos no início sobre a tonalidade azul presente na fotografia. É de se perguntar, se foi proposital. A resposta é simples, é! O azul está presente na fotografia. Todos os quadros possuem a cor azul explicitada e inserida por um belo filtro na tela, que deixa tudo com um aspecto frio, melancólico, silencioso, solitário… É como se não existisse calor ou alívio dentro daquela situação. Além disso, a fotografia como um todo usa a cor principal para deixar paisagens lindas ainda mais impressionantes. Por fim, a terceira temporada é uma perfeita obra-prima. Não possui defeitos e é uma das melhores coisas que a televisão já viu em décadas! Mas a história tem uma boa continuidade com a 4ª. temporada que está disponível no canal de streaming. |
AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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