Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Se Tony Gilroy, estreando como diretor em 2007 realizou o ótimo filme Conduta de Risco (Michael Clayton), ele repete a dose neste seu segundo filme Duplicidade (Duplicity) de 2009. Desta vez, além da direção, é de sua responsabilidade também o roteiro (assim como no primeiro). Duplicidade tem qualidades de comédia romântica e filme de suspense e espionagem, tudo embalado com a trilha sonora de James Newton Howard e uma trama de golpistas finos com muito estilo. O resultado é inspiradíssimo desde a sequência inicial de créditos, onde uma luta em câmera lenta dos engravatados Tom Wilkinson (como Howard Tully) e Paul Giamatti (Richard Garsick) acontece. A forma é perfeita com os senhores gorduchos se estapeando em ternos caros, equidistantes de seus respectivos jatinhos executivos. A cena entrega de princípio que estamos diante de cinema que funciona como entretenimento, mas também pretende ir além do convencional. O filme é uma coprodução dos EUA e da Alemanha. Além dos atores e atrizes já citados fazem ainda parte do elenco Lisa Roberts Gillan, Denis O'Hare, Kathleen Chalfant, Carrie Preston, Dan Daily, David Shumbris, Rick Worthy, Oleg Shtefanko, Khan Baykal, Thomas McCarthy, Wayne Duvall e Fabrizio Brienza. No centro da história estão Clive Owen e Julia Roberts, atuando juntos pela primeira vez desde Closer – Perto Demais, 2004, como Larry e Anna, do diretor Mike Nichols e roteiro de Patrick Marber. Em Duplicidade, os dois dão vida a Ray Koval e Claire Stenwick, um casal de ex-espiões federais envolvidos em uma briga de cachorros grandes. A espionagem industrial, com roubo de fórmulas e fortes esquemas de segurança, é a especialidade dos dois, empregados de duas corporações inimigas. O segredo de uma delas é o principal plano dos dois. Se no filme de 2005 a dupla tinha diálogos carregados de conflito dramático, aqui a interação é mais leve, sexy e cheia de segundas intenções. Ambos vivem espiões que operam para duas supercorporações concorrentes da indústria dos cosméticos. Amantes apaixonados, eles vislumbram em seus trabalhos a oportunidade de ficarem milionários e se aposentarem. Mas para tanto precisam, antes de tudo, aprender a confiar um no outro, o que é bastante difícil pela personalidade e história de cada um. Quando começamos a acreditar que estamos entendendo a estrutura por trás do filme, o cineasta faz com que repensemos tudo. Até que chega o clímax - e todas as peças se encaixam perfeitamente, sem qualquer vão, provando que o diretor e o roteirista (são os mesmos) tinha seu plano sob controle o tempo todo.
O diretor Gilroy também acerta ao escolher uma movimentação de câmera tão agitada quanto a história contada. As telas divididas e recortadas, que não agradam muito, brincam com a quantidade de informação que o espectador pode ter. A brincadeira se repete ao final de cada flashback, quando o quadro vai diminuindo até desaparecer, como se aquela verdade mostrada fosse tomada para ser transformada em outra. E o público que fique tão desconfiado quanto os personagens. No geral o filme é divertido, sendo uma excelente pedida para passar o tempo, sem pretensões. Daqueles que a gente fica com vontade de ver mais uma vez depois que acaba só para ver os detalhes que ficaram pelo meio do caminho.
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Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] O filme O Céu da Meia Noite estreou recentemente no canal de streaming Netflix. Quase simultaneamente o livro de mesmo nome teve um lançamento primoroso realizado pela TAG – Experiências Literárias, em edição da Morro Branco Editora, de São Paulo, no início de 2021, numa tradução competente de Ana Guadalupe (o original “Good Morning, Midnight”, é de 2016, da escritora norte-americana Lily Brooks-Dalton). O livro conta a história de Augustine, um brilhante e já idoso astrônomo, obcecado pelas estrelas. Por anos ele viveu em ambientes remotos, estudando o céu em busca de evidências sobre a criação do universo. Na sua última missão, em um centro de pesquisa no polo norte, notícias sobre eventos catastróficos chegam. Os cientistas do centro de pesquisas são forçados a evacuar a base, mas Augustine se recusa a abandonar seu trabalho. Logo depois que os outros vão embora, Augustine descobre uma misteriosa criança, chamada Íris, e percebe que estão absolutamente sozinhos. Ao mesmo tempo, Sullivan, também em missão, está em uma espaçonave ao redor de Júpiter. Os astronautas são os primeiros seres humanos a completar essa missão, e Sully está em paz com os sacrifícios que fez: deixou a filha e o marido para trás. Até então a viagem foi um sucesso, mas quando o controle da aeronave fica inexplicavelmente em silêncio, Sully e sua equipe são forçados a se perguntar o que estaria acontecendo e se algum dia voltarão para casa. Enquanto Augustine e Sully enfrentam um futuro incerto, em paisagens incríveis, a história dos dois vai se intercalando até chegar a reflexões profundas. O livro nos leva a questionar: o que nos espera no final do mundo e qual o sentido das nossas vidas. O filme do gênero ficção científica é dirigido e estrelado por George Clooney e é uma das grandes apostas da Netflix para o Oscar do ano que vem. Clooney é Augustine, um cientista brilhante que dedicou toda a sua vida às estrelas. Isolado na beleza gélida e eletrizante de uma base de pesquisa no Ártico, ele observa o universo à procura das origens do próprio tempo. Augie está sozinho, especialmente depois que as ondas de rádio pararam de chegar. Já Sullivan (Felicity Jones) é uma especialista em comunicações que deixou sua família para trás para embarcar no Aether. Depois de ir até Júpiter, a missão está finalmente voltando para a Terra. Porém, quando todas as comunicações param de chegar, ela se pergunta o que os aguarda neste retorno. Um livro com uma história interessante com muita reflexão, muita filosofia, num filme plasticamente muito bonito, mas que se transformou num “sci-fi” apenas sofrível. O que deu errado? Talvez Clooney deva fazer uma parada para refletir o que acontece com as suas produções e atuações mais recentes. Depois de filmes importantes em termos de história, conteúdo e produção propriamente dita, como Syriana, Confissões de uma Mente Perigosa, Tudo Pelo Poder, e o excelente Boa Noite, Boa Sorte, pelo qual foi até indicado ao prêmio da Academia, Clooney parece ter estagnado nas suas produções recentes (veja, por exemplo, Caçadores de Obras-Primas e Suburbicon). A produção do O Céu da Meia-Noite pode ter todas as melhores intenções temáticas e também aposta na diversidade do elenco, porém, cai em todos os clichês possíveis e mostra o diretor desconfortável dentro de uma abordagem da qual não se mostra hábil suficiente para desenvolver e convencer. O principal problema do filme, a meu ver, é o roteiro, mesmo partindo de um bom material como o livro de Lily Brooks-Dalton. Por aí se vê que nem sempre um bom roteirista como Mark L. Smith (de O Regresso) acerta a mão. Acaba ficando sempre na superfície, sem se aprofundar nos dilemas existenciais pretendidos pelo filme e destoa do que Clooney pretendia (se levarmos em consideração o seu outro filme de ficção científica, Solaris, em que ele tinha uma intensa atuação com seu tom filosófico e melancólico). Se o diretor se esforça na ambientação de uma atmosfera melancólica marcada por muito silêncio e solidão e uma atuação carregada de sofrimento, Smith caminha para um sentimentalismo marcado por clichês e sem a menor sutileza para todos os lados. Todo o flashback envolvendo Augustine e o mistério em relação à identidade de Iris, são construídos de maneira tão pobre e previsível que chegam ao limite do risível por querer forçar emoções em uma trama incapaz de emocionar. Lutando contra este roteiro pobre, George Clooney até se mostra capaz de criar um universo melancólico em que se sente a falta da conexão humana, mas, nada traz de novo à ficção científica. A filosofia pretendida está anos-luz de Andrei Tarkovski, a ambientação na nave parece um arremedo de Ridley Scott em Alien e as flutuações da câmera como se estivesse também sem a gravidade do espaço sideral apenas apresentam mais do mesmo já feito por Alfonso Cuáron.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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