Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] O Homem do Castelo Alto ("The Man in The High Castle") é uma série americana realizada em 2015 e que durou 4 temporadas, até 2019. Quando a Amazon anunciou em 2015 o piloto de "The Man in The High Castle" muitos duvidaram do projeto. Algo semelhante aconteceu quando Peter Jackson anunciou a sua intenção de filmar "O Senhor dos Anéis", do Tolkien. Nos dois casos o desafio de adaptar histórias que se dizia "infilmável" esteve sempre presente, até a sua realização efetiva. No caso em questão, o desafio de adaptar para a televisão a clássica distopia política de Philip K. Dick, publicada mais de cincoenta anos antes, indicava que não seria uma tarefa simples. No entanto, o estúdio venceu o desafio. O episódio piloto fez muito sucesso, o que garantiu a realização de uma primeira temporada, muito elogiada pela crítica e pelo público, e as temporadas subsequentes. Aqui no Brasil, é esta primeira temporada que está na grade de programação da Prime Vídeo, da Amazon Vídeo. São 10 episódios. No total da série são 40 episódios, cada um deles oscilando entre 48 e 60 minutos. O criador da série é Frank Spotnitz, que fez parte da equipe criativa de Arquivo X. A série é baseada no livro de Philip Dick, "The Man in The High Castle", escrito em 1962 e é uma história de ficção científica, distopia, suspense e história alternativa. História alternativa, ou ucronia, é um subgênero da ficção especulativa (ou da ficção científica) cuja trama transcorre num mundo no qual a história possui um ponto de divergência da História como nós a conhecemos. A literatura (e filmes) de história alternativa faz sempre a seguinte pergunta: "o que aconteceria se a história tivesse transcorrido de maneira diferente?". De maneira sintética seria como "e se ...?". A maioria das obras do gênero são baseadas em eventos históricos reais, mesmo que os aspectos sociais, geopoliticos e tecnológicos tenham se desenvolvido de forma diferente. Desde os anos 1950, este tipo de ficção fundiu-se com as "propostas" da ficção científica envolvendo o cruzamento de períodos históricos, tempo paralelo, viagens entre histórias/universos alternativos (como nas obras de Philip Dick), viagens rotineiras no tempo (passado, ou futuro), resultando na partição da história em duas ou mais linhas temporais. O livro, e agora a série, de 1962 "O Homem do Castelo Alto", do Dick, é um dos exemplos mais famosos de história alternativa, tendo marcado profundamente este gênero. A história gira em torno da pergunta "e se os Estados Unidos e seus Aliados, na 2a. Guerra Mundial, tivessem sido vencidos pelo Eixo, a Alemanha, o Japão e a Itália?". Na história, depois da vitória, o território americano foi ocupado pela Alemanha e pelo Japão. A costa do Atlântico ficou em poder dos alemães, formando o Grande Reich Nazista (e Nova Yorque como capital) e a do Pacífico com os japoneses, formando os Estados Japoneses do Pacífico, tendo San Francisco como capital. No centro, incluindo as Montanhas Rochosas, foi criado um estado-tampão, a chamada Zona Neutra. Enquanto o Japão goza de estabilidade política e econômica, a Alemanha tem dificuldades internas provocadas pela morte de Hitler e a luta pelo poder entre Goring, Goebbels e Heydrich. Essas dificuldades se refletem na América. A série começa em 1962 e segue personagens cujos destinos se entrelaçam quando entram em contato com noticiários e filmes caseiros que mostram a Alemanha e o Japão perdendo a guerra. Ou seja, bela obra de metalinguagem com um filme dentro de outro filme. O título do livro e da série refere-se a uma figura misteriosa que se acredita ter criado a filmagem... Nessa primeira temporada é mostrado, de forma repetida e provocante, que se os Estados Unidos fossem um país fascista, a maioria da população aceitaria este fato. O livro, e a série, examina com sucesso o potencial sedutor do fascismo e a passividade de uma massa que ignora as atrocidades provocadas pelo poder e se conforma com o "status quo" construído ao longo dos anos pós-guerra (eu já vi essa história em outros lugares e momentos e até recentemente...). A série, que não está completa aqui no Brasil (espera-se que seja apenas ainda...) tem uma direção firme e um bom roteiro. Tem um bom elenco também: Alexa Dávamos (como Juliana Crain), Rufus Sewell (John Smith), Joel de la Frente (Inspetor Takeshi Kido), Luke Kleintank (Joe Blake), Rupert Evans (Frank Frink), D.J. Qualls (Ed McCarthy) e Cary-Hiroyuki Tagawa (Nobusuke Tagomi). Já foi indicada para vários prêmios: "Satélite Award" (Melhor Gênero de Série), Emmy do Primetime (Efeitos Visuais), "ADG Excellence in Production Design". Recebeu o Prêmio Emmy do Primetime, como o Melhor Design de Abertura (que é belíssima realmente), quase se igualando à abertura de "Game of Thrones". Entre os produtores, uma penca deles, Michael César, Jean Higgins, Jordan Sheehan, David W. Zucker, Ridley Scott, Frank Spotnitz, Christian Baute, Isa Dick Hackett, Stewart Mackinnon e Christopher Tricarico. A atualidade da série, que é de 2015, sobre um tema de um livro que é de 1962, é impressionante. Como vimos, o cenário principal é um universo paralelo em que as potências do Eixo venceram a 2a. Guerra Mundial. Isso depois que um italiano, Giusepe Zangaria assassina o presidente Franklin Delano Roosevelt, o que cria uma série de desenvolvimentos que levam os alemães a lançarem uma bomba atômica em Washington, D.C. A Zona Neutra, na nova geografia da América do Norte, serve como zona de amortecimento devido às tensões entre os blocos alemão e japonês, semelhantes à época da guerra fria de alguns anos atrás. Os japoneses sujeitam os não-japoneses à discriminação racial e concedem-lhes menos direitos, enquanto os nazistas continuam a caçar minorias étnicas e praticar eutanásia naqueles com deficiências ou doenças crônicas. A tecnologia superior dos alemães é destacada pelo uso de telefones com vídeo e aviões-foguetes (parecendo o Concorde construído muitos anos depois) utilizado para viagens intercontinentais.
Um dos eixos centrais de "O Homem do Castelo Alto" é a metalinguagem, como vimos. No romance de Dick existe um livro dentro do livro que mostra que os Aliados derrotaram o Eixo na 2a. Guerra Mundial. Na série é um filme. A obra é proibida no Reich, mas tolerada no Japão. A obra, ou o filme, o sentido é o mesmo, "The Grasshopper Lies Heavy" foi escrito, ou dirigido, por Hawthorne Abendsen, uma figura enigmática que é conhecida como "o homem do castelo alto". É nessa história alternativa que Dick levanta a grande questão, do livro, ou da série, O que é realidade, afinal? Além desta adaptação de um livro seu, Philip Dick tem sido "premiado" com outras boas adaptações de suas histórias. Começando em 1982, com "Blade Runner - O Caçador de Andróides" ("Blade Runner"), de Ridley Scott (da história "Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas?"), seguindo em 1990 com "O Vingador do Futuro" ("Total Recall"), de Paul Verhoeven (do conto "Podemos Recordar para Você, por um Preço Razoável"), em 1995, "Screamers," de Christian Duguay, do conto "Impostor, Segunda Variedade", em 2002, o filme de Steven Spielberg "Minority Report - A Nova Lei" ("Minority Report"), do conto "O Relatório Minoritário"; em 2003, "O Pagamento"("Paycheck"), de John Woo e Ben Afleck, em 2006, de Richard Linklater, "O Homem Duplo", do livro "O Homem Duplo", em 2007, o filme "O Vidente" ("Next"), de Lee Tamahori (do conto "O Homem Dourado"), em 2011, "Os Agentes do Destino" ("The Adjustment Bureau"), de George Nolfi, do conto "Equipe de Ajuste" e, finalmente, em 2017, "Electric Dreams", uma série de TV, adaptando 10 contos de PKD, no estilo de "Black Mirror". O livro "O Homem do Castelo Alto", lançado em outubro de 1962 pela Editora Putnam teve um título que já contava a história: "The Man in The High Castle. An electrifying novel of our world as it might have been". No Brasil foram duas edições: em 1972, na Coleção Asteróide, da Editora Sabiá, em tradução de Sylvia Escorel, e a outra em 2006, pela Editora Aleph, com tradução de Fábio Fernandes. Aos interessados em História Alternativa recomendo outro clássico, anterior ainda ao comentado aqui, "Bring the Jubilee", de Ward Moore, de 1953. O ponto da divergência temporal é: "e se os Confederados tivessem ganho a Batalha de Gettysburg e a Guerra da Independência no dia 4 de julho de 1864, nos EUA?". No Brasil, sim, também temos boas histórias: a novela de José J. Veiga, "A Casca da Serpente", de 1989. Pergunta: "e se Antônio Conselheiro sobrevivesse ao Massacre de Canudos e fundasse uma nova Canudos?"; a novela de Gerson Lodi-Ribeiro, escrita em 1993, "A Ética da Traição". Pergunta: "como seria "o Brasil se perdesse a Guerra do Paraguai?"; a novela de Carla Cristina Pereira (pseudônimo de Gerson Lodi-Ribeiro), com a pergunta: "e se os portugueses tivessem chegado à América antes de Colombo?"; novela "Selva Brasil", de Roberto de Sousa Causo, escrita em 2010 que desenvolve a pergunta: "se o Brasil invadisse as Guianas, por ordem do então Presidente Jânio Quadros?" (mais uma de sua inúmeras loucuras); história de Cirilo Lemos, em 2015, "E de Extermínio", "e se o Brasil mantivesse a sua monarquia?" e, finalmente, "Segunda Pátria", de Miguel Sanches Neto, também de 2015, com uma questão no mínimo intrigante: "e se o Brasil na 2a. Guerra Mundial se aliasse ao Eixo, em vez dos Aliados?".
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Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] Mais um bom filme no catálogo da Netflix. O filme 18 Presentes (18 Regali) é um drama, de 2020, dirigido por Francesco Amato e roteiro dele mesmo e mais Massimo Gaudioso, Davide Lantieri e Alessio Vicenzotto e cinematografia de Gherardo Gossi. Tem quase duas horas de duração (115 minutos) e foi baseado em uma história verdadeira – é justamente esse fato que deixa o filme mais comovente ainda. A obra italiana, dirigida por Francesco Amato, foi inspirada pela história real de Elisa Girotto, interpretada de maneira emotiva e competente por Vittoria Puccini, uma mãe que descobre um tumor irreversível durante a gestação de sua primogênita, e decide deixar um presente para cada um dos seus aniversários até que ela atingisse a maioridade. O roteiro pincela alguns momentos da vida da pequena Anna (Benedetta Porcaroli, numa boa atuação), crescendo sob os cuidados de seu pai Alessio (Edoardo Leo, com atuação muito competente), após a morte de sua mãe. Durante algum tempo acompanhamos os momentos de abertura dos presentes e suas reações ao longo dos anos, nos quais a alegria inicial da criança vai se transformando em raiva e não aceitação ao chegar no dia do seu aniversário de 18 anos, momento no qual a sua rebeldia ao universo que lhe é imposto chega ao limite, fazendo com que ela recusasse o último presente da falecida mãe. Nesse ato de rebeldia ela sai de casa sem rumo, empreitada esta interrompida por um acidente em meio á fuga. Graças a isso ela terá a oportunidade de conhecer a sua já falecida mãe. Como consequência, a história sofre uma reviravolta e o espectador interrompe a construção de pontes “lógicas” quando se torna evidente a improbabilidade do contexto exposto com a convivência real entre mãe e filha já adulta. Dentro de tudo o que foi apresentado, essa é certamente a ferramenta menos convencional do filme, capaz de potencializar a originalidade e desviar a história do banal. O tempo passa a ser manipulado explicitamente e o impossível deixa de existir. Portanto, as trocas orgânicas entre mãe e filha separadas há dezoito anos parecem “naturais” sem oferecer nenhum estranhamento. Mesmo não sendo uma obra com um grau de criatividade marcante, eu diria que ela está mais para competente, não dá pra dizer que 18 Presentes seja um filme descartável. Muito pelo contrário. O melodrama italiano nos faz torcer pelo surgimento de cenas, independente do que fosse preciso para que elas acontecessem. Nesse sentido, o filme se apresenta de forma original numa temática já tratada no filme Minha Vida (My Life), filme americano de Bruce Joel Rubin, de 1994, com Michael Keaton, Nicole Kidman, Bradley Whitford e outros. Neste caso o papel se inverte e é o marido, também com câncer terminal, que deixa gravações de vídeo para o seu filho. Melodrama que não esconde a intenção de levar o público às lágrimas, já que é do mesmo roteirista de Ghost – Do Outro Lado da Vida (Ghost), filme de Jerry Zucker, de 1990.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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