Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] A realização de novas versões de filmes consagrados pela qualidade e pelo tempo será sempre um desafio de resultado incerto para estúdios, produtores e diretores. Algumas vezes funciona, outras não. Os irmãos Coen, Joel e Ethan, aceitaram esse desafio quando decidiram fazer, ou refazer, uma versão de um dos clássicos faroestes americanos dos anos 1960-1970 em pleno século XXI. Para tanto foram bancados por Steven Spielberg, como produtor executivo. O clássico a que me refiro é nada mais nada menos que "Bravura Indômita" (True Grit), de Henry Hathaway, diretor "clássico" de faroestes desde os anos 1930, com "o" "cowboy" americano John Wayne e realizado em 1969! O filme parte da história de mesmo nome do jornalista Charles Portis, escrito no ano anterior. Outras obras dele são Norwood (1970), Halloween:The Curse of Mychael Myers (1975), The One and Only (1978), Better Off Dead (1985) e Newsbreak (2000). O roteiro deste filme, sobre o livro de Portis, foi escrito por Marguerite Roberts e o elenco contava ainda com Glenn Campbell, Kim Darby, Robert Duvall e Jeff Cony, incluindo também a música marcante de Elmer Bernstein. O filme, até hoje, é sucesso de crítica e de público, mesmo que hoje seja considerado um tanto anacrônico, em razão da revisão mais recente dos moldes americanos se se fazer faroestes, menos maniqueístas e mais críticos. A história em si é mais do que conhecida, principalmente porque foi retomada inúmeras vezes pelo cinema americano, e é a saga de uma vingança pessoal. Mattie, uma adolescente de apenas 14 anos, cujo pai foi assassinado, vai fazer um "road movie" (quando esse conceito ainda nem existia) pelas pradarias americanas à procura do assassino de seu pai. Para tanto, ela contrata um agente federal experiente, o canônico Reuben "Rooster" Cogburn, e um Texas Rangers, de nome Le Boeuf, para procurar e trazer o assassino de seu pai, para ser julgado, se possível. Mais de quarenta anos depois do filme de Henry Hathaway, Joel e Ethan Coen fazem, em 2010, um raro filme sem cinismo e mais fiel ao espírito do romance original de Charles Portis, o "novo" Bravura Indômita, True Grit, com 110', "economizando" já de início 16' com relação ao original de 1969, com 126 minutos de duração. Os irmãos Coen roteirizam o livro de Portis, alterando o miolo da história sendo, apesar disso, mais fiéis ao espírito cômico de Portis, que também é uma marca registrada nos filmes de Joel e Ethan. Mesmo assim, o "remake" é uma novidade no currículo filmográfico dos dois irmãos no sentido de que eles sempre escolhem personagens à deriva e que são pegos de surpresa pelo acaso. No caso presente, os dois personagens masculinos são tipos que se dirigem direta e conscientemente ao seus destinos, ou objetivos, ou seja a caçada ao fugitivo, assassino do pai de Mattie. Obviamente, o papel de Mattie Ross (ótimo trabalho de Hailee Steinfeld, também nos seus 14 anos) contribui muito para isso. Apesar de sua juventude, em seus 14 anos, ela é a mais determinada a vingar o seu pai por consciência, não por dinheiro, como os seus contratados. A decisão dos Coen de eliminar algumas cenas e adiantar um pouco o desenrolar da trama e do drama foi essencial para esta nova versão. Mostra de maneira mais intimista o federal Rooster no seu habitat natural e permite aprofundar um pouco mais a relação do agente federal com a menina se transformando em mulher. Este ponto é interessante de ser observado no fim do filme, quando é inserido um epílogo, também uma criação dos Coen. Nesse sentido, o papel do Texas Rangers Le Boeuf é quase inexistente. Apesar de num primeiro momento o filme de 2010 parecer apenas uma refilmagem do bom filme homônimo de 1969, ao longo do desenrolar da história, percebe-se que ele é original e tão bom quanto o primeiro. É mais uma segunda adaptação do livro de Portis do que um simples "remake". Joel e Ethan sempre deixaram claro que voltariam ao livro de 1968 para fazer um filme "deles". E foi o que fizeram. É, realmente, um filme com a marca dos Coen, mesmo sendo um dos mais "lineares" que eles já fizeram. Isso se deve também por "culpa" de Clint Eastwood que depois do magnífico "Os Imperdoáveis", de 1992, que mudou o conceito dos faroestes. Ao criar a necessidade de dar mais realismo aos "westerns" modernos, levou os Coen a tirar a grandiosidade excessiva do faroeste, as figuras muito caricaturais e o maniqueísmo ralo dos personagens principais. Com isso, os "heróis" do filme, Cogburn (Jeff Bridges) e Le Boeuf (Mark Damon) continuam sendo heróis necessários (pelo menos aos olhos de Mattie) mas tem tantas falhas que nos surpreende que ainda estejam vivos! No fim são tão humanos quanto qualquer um da história ou de nós. São assim... e é o que basta para manter a história até o fim. Quanto ao elenco, as escolhas dos Coen foram perfeitas. Jeff Bridges está inspiradissimo como Rooster Cogburn, mesmo tendo que "calçar", literalmente, as botas de John Wayne do filme de 1969. Ele faz um Cogburn bêbado, barrigudo e cansado e está ótimo em nossa época. Igualmente, Matt Damon faz um Le Boeuf impressionante, igual, ou até mesmo superando, o Le Boeuf de Glen Campbell no original de 1969. Mas quem rouba a cena mesmo é Hailee Steinfeld, atriz estreante aos 14 anos que consegue, em algumas cenas, até "apagar" a presença de Jeff Bridges e Matt Damon, quando juntos em cena, encarnando a Mattie Ross. Parece que este é um papel que dá um destaque posterior às suas atrizes: Kim Darby, a primeira Mattie, atuou em mais de 80 filmes entre TV e cinema propriamente dito. Hailee já tem na sua carreira mais de 50 filmes, entre TV e cinema, entre eles Charlie's Angels (2019), Between Two Ferns: The Movie (2019), Term Life (2016), The Homesman (2014) e Ender's Game (2013), este eu até já comentei algum tempo atrás. Trabalham ainda no filme Josh Brolin (num papel importante, o do assassino) mas está quase como um ator secundário, e Barry Pepper. Na parte técnica, deve ser destacado o nome de Carter Burwell autor da trilha musical, que é boa, mas não se iguala à de Elmer Bernstein do filme de 1969.
Como palavras finais, volto à minha observação inicial quanto à questão do epílogo. A ideia dos irmãos Coen em "usá-lo" atualiza o formato do filme. Ao contar muitos anos depois os acontecimentos posteriores à ação do filme, na visão de uma Mattie já adulta e envelhecida, pode-se inferir os sentimentos nascidos durante a convivência forçada daquele triângulo formado para caçar o assassino. O filme trabalhou o tempo todo com esse triângulo, incluindo as ações e emoções, sugerindo algo mais do que foi realmente mostrado. Enfim, o filme de Joel e Ethan Coen, não é "apenas" um "outro" Bravura Indômita, mas sim uma outra obra e um grande filme sob qualquer óptica que se veja.
0 Comments
Leave a Reply. |
AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
Categorias |