Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] Lindo filme: bela fotografia e um bom roteiro fazem desta produção de 2017, de Ritesh Barra, muito bem recebido no Festival de Veneza, uma bela surpresa. É um filme amoroso, de muita sensibilidade sobre a velhice, solidão, e porquê não, também arrojo. Ritesh é um diretor apenas mediano, de poucos trabalho, com apenas nove filmes entre curtas e longas, com um único filme que chamou a atenção, The Lunchbox (de 2013). Talvez por escolha dele, ou não, pois não consegui averiguar, teve a "sorte" de deixar na mão de dois monstros sagrados do cinema, Jane Fonda e Robert Redford, a construção e a condução da interpretação de seus personagens, de sensibilidade tocante, em Nossas Noites. O filme é uma adaptação do livro homônimo, de Ken Haruf, falecido em 2014. No livro e no filme é contada a história de Addie Moore, viúva, moradora de uma pequena cidade do Colorado, que em um determinado dia faz uma visita surpresa ao vizinho Louis Waters, também viúvo, esperando criar uma conexão para o resto de suas vidas. Ambos viúvos e morando sozinhos, longe dos filhos e netos, moram perto um do outro há décadas, sem terem muito contato um com o outro. As interpretações de Jane Fonda, como Addie, e Robert Redford, como Louis, são ambas simples, sensíveis, tocantes e nos fazem pensar sobre o papel da velhice nesta nossa sociedade de valores jovens, sempre. Quando Louis recebe a visita surpresa de Addie em sua casa, e da proposta dela, feita a ele de chofre, sem rodeios, e ainda mais surpreendente... a de apenas passarem a dormir juntos para tentarem enfrentar e afastar a solidão das noites, Louis tem muita dificuldade de perceber o quanto ambos viviam sozinhos. Acredito que este não é um filme de aceitação em geral. Talvez apenas os mais maduros, ou os mais sensíveis, percebam a profundidade do roteiro. Que trabalha de forma simples com a dificuldade de aceitar a velhice em nossa cultura e o direito de se poder ter relações significativas e poder se apoiar e amar com todas as contingências do tempo e do passado.
Creio que graças à dimensão de dois atores já idosos neste nosso tempo (em 2017, Jane estava com 80 e Redford com 81 anos), experimentados e maduros em termos de interpretação, é extraordinário ver-se a repetição do mesmo par romântico 50 anos depois de terem realizado outro belo filme, Descalços no Parque (Barefoot in The Park no original), de Gene Saks, realizado em 1967. Curiosamente, Jane (como Addie) ainda interpreta a mulher forte e determinada de outras atuações (como em Barbarella, 1968, ou no filme da mesma dupla, O Cavaleiro Elétrico, de Sidney Pollack, de 1979), ao propôr, imaginando-se àquela época, tudo que exigiu de arrojo, o que propôs. O recato e respeito de Louis também é muito significativo, pois Addie explica que não se trata de uma proposta de sexo casual e sim aquela sensação de segurança e conforto de ter alguém no travesseiro ao lado. Após quase 50 anos casada, ela já não sabe dormir sozinha. Para não esticar demasiadamente o comentário, é óbvio que a proposta é aceita (como disse antes, com uma certa relutância de Louis), os dois iniciam uma amizade que tem hora para começar e, talvez, acabar. Mas não vou estragar o prazer de quem for assistir ao filme, contando mais alguma coisa. Apenas como um complemento e curiosidade, a apreciação do filme parece colocar questões de gênero, ou de sensibilidade, em pauta. Praticamente todas as avaliações críticas de maior valor e impacto, são de mulheres, enquanto avaliações mais negativas, ou com ressalvas do tipo "amorosas e melosas" são de homens. Pelo menos na minha avaliação a partir do nome de cada um. Se assistir ao filme, onde você se coloca? Finalizando a minha crítica, bastante positiva neste caso, gostei da mão "frouxa" do diretor e, talvez com isso, dar maior liberdade a Fonda e Redford (que é um dos produtores), do roteiro, escrito a quatro mãos, por Scott Neustadter e Michael H. Weber (a partir do livro de Haruf) e da música de Elliot Goldenthal. Preferiria uma tradução mais direta do título original que reflete muito mais a história e os sentimentos, Our Souls at Night, do que o dado em português Mais uma vez, a Netflix produzindo um bom cinema e colocando na sua grade.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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