Nelson Marques e Gianfranco Marchi Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mails: [email protected] e [email protected] Pelo 13° ano consecutivo (bate na madeira!), o Cineclube Natal (CCN) organizou, no último mês de maio (dias 16, 17 e 18), a sua já tradicional Mostra do Filme Cult. Dessa vez, o CCN, em parceria com o Nalva Melo Café Salão, promoveu a exibição diária de uma pequena seleção de filmes japoneses do gênero horror, dentro de uma proposta temática que permeou as três últimas edições do evento. Há tempos, o Cineclube Natal, ano a ano, e com diferentes parceiros (dentre os quais: Rodrigo Hammer; Teatro de Cultura Popular Chico Daniel (TCP) – da Fundação José Augusto do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, através de sua antiga Diretora, Sônia Santos; e, agora, Nalva Melo, tem procurado ampliar o horizonte cultural dos cinéfilos natalenses com a exibição dos chamados filmes cults – abordados por nossos cineclubistas em livro, como o 80 Cult Movies Essenciais, de Rodrigo Hammer, Nelson Marques e Gianfranco Marchi, lançado em 2010 pela EDUFRN; e matérias, como Os 10 melhores filmes cults para assistir na Netflix, de Sihan Felix para o Canaltech. Essa ação sempre teve o objetivo central de apresentar e desvendar esse fértil campo, mostrando obras cinematográficas de pouca penetração pública, mas, frequentemente, de quase inegável qualidade (e leia-se qualidade de uma forma bem subjetiva e algumas poucas vezes sarcástica) e, quase sempre, relegadas ao esquecimento. Os trabalhos de garimpagem, escolha, legendagem e exibição das dezenas de filmes que são exibidos têm rendido excelentes discussões com nossos espectadores, alguns deles já cativos, no decorrer dos 13 anos do evento que, anteriormente, fora chamado de Semana do Filme Cult. A atividade contínua permitiu que tivéssemos um panorama diversificado de filmes, estilos, histórias e gêneros, selecionados cuidadosamente a partir desse amplo guarda-chuva chamado de filmes cult. No total, durante os 13 anos, cerca de 1.000 espectadores puderam aproveitar, ou estranhar, em nossas diferentes salas de exibição, mais de 80 filmes apresentados, ocasiões nas quais discutimos e divergirmos a respeito dos méritos artísticos das produções. Destacamos, nesta retrospectiva, filmes importantes que povoaram as exibições, alguns provocadores e outros polêmicos, como O Incrível Homem que Encolheu (de Jack Arnold, 1957) e Noite dos Macacos Sanguinários (de René Cardona e René Cardona Jr., 1969), exibidos em 2007. Em 2008, o público pôde conferir uma das primeiras atuações de Anthony Hopkins em Um Passe de Mágica (de Richard Attenborough, 1978), bem como um filme brasileiro de 1969, quase esquecido, Meteorango Kid – Um Herói Intergaláctico, do diretor André Luiz Oliveira, marco da contracultura nacional. Da 3° Semana do Filme Cult, ocorrida em 2009, vale lembrar o filme de Robert First O Abominável Dr. Phibes (1971) e o filme de 2008, vindo da Suécia, Deixe Ela Entrar, de Tomás Alfredson, cuja escolha se deu através de uma brincadeira da curadoria sobre qual filme então recente alcançaria o status de cult. Com o passar do tempo – onze anos depois –parece que a previsão foi certeira. Em 2010, exibimos seis filmes, dos quais merecem destaque a película de Dario Argento Suspiria, realizada na Itália, em 1977, recentemente revisitada por Luca Guadagnino em seu remake homônimo, bem como o clássico B O Monstro da Lagoa Negra, filme de 1954 realizado nos EUA por Jack Arnold. Na 5ª edição, realizada de 16-22 de maio de 2011, tivemos o seminal O Homem de Palha, de Robin Jardim, filmado na Inglaterra em 1973. Como contraponto, mostramos a uma plateia chocada A Centopeia Humana, o novo clássico cult dirigido pelo holandês Tom Six, realizado em 2009. Ao todo foram exibidos seis curtas-metragens, acompanhando os filmes em cada um dos dias. A combinação de longas e curtas se repetiria nas 6ª e 7ª Semanas do Filme Cult, que aconteceram em 2012 e 2013 e que contaram novamente com a exibição de seis filmes em cada uma delas. Em 2012, destacamos duas produções ítalo-francesas: La donna scimmia (A Mulher Macaco), de Marco Ferreri, filme de 1964, e Salò ou Os 120 Dias de Gomorra, lançado por Pier Paolo Pasolini no ano de 1975 e que rendeu uma das sessões mais polêmicas de todo o projeto. Na 8ª Semana, ocorrida em maio de 2014, outros seis filmes foram exibidos, dentre os quais dois exemplares típicos do mundo cult: Glen ou Glenda (de Ed Wood, 1953) e o ultrajante Vase de noces, também conhecido como The Pig Fucking Movie, filme belga, de 1975, do diretor Thierry Zeno. A partir de 2015, começamos a reduzir a organização da Semana do Filme Cult para as Mostras do Filme Cult, com três ou quatro dias de duração. Na 9ª Mostra, ocorrida em maio de 2015, já foi assim. Foram mostrados quatro filmes, dos quais destacamos dois pela sua representatividade de duas linguagens cinematográficas bem distintas: o filme de Michael Winner Os Que Chegam Com a Noite, da Inglaterra, de 1971 (com um trabalho de legendagem exclusiva do Cineclube Natal), e o filme grego Dente Canino, de 2009, do hoje reconhecido e premiado Yorgos Lanthimos. A Semana foi retomada em 2016, no primeiro formato temático, com a exibição de seis longas relacionados ao vampirismo, ocorrida entre os dias 17-22 de maio. Dessa leva, apontamos dois filmes: o de Jean Rollin Le viol du vampire (1968) e o hoje cultuado filme neo zelandês O Que Fazemos nas Sombras, de Jemaine Clement e Taika Waititi – sim, o cara que dirigiu Thor: Ragnarok. Retomamos à exibição mais enxuta nos anos de 2017, 2018 e 2019, respectivamente as 11ª, 12ª e 13ª Mostras do Filme Cult, sempre no mês de maio de cada ano, coincidindo com o aniversário do Cineclube Natal. Durante a Mostra de 2017, fizemos uma apresentação especial com quatro filmes do diretor espanhol Amando de Ossorio, a sua prestigiada Quadrilogia dos Mortos Cegos, dentro do tema zumbis, formada pelos longas A Noite do Terror Cego (1972), O Retorno dos Mortos Vivos (1973), O Galeão Fantasma (1974) e A Noite das Gaivotas (1975). Em 2018, na 12ª Mostra, a homenagem seria para o tipicamente italiano giallo (amarelo, na língua de Dante). Três filmes foram programados, mas apenas um foi exibido no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel, em razão do desabamento de parte do teto na entrada do local. O giallo apresentado no primeiro dia foi O Ventre Negro da Tarântula (de Paolo Chacara, 1971), produção ítalo-francesa. Os outros dois exemplares da mostra, A Casa das Janelas Sorridentes (de Pupi Avati, 1976) e A Cauda do Escorpião, filme de 1971 do expoente do gênero Sergio Martino, encontraram abrigo alternativo na charmosa tela de Nalva Melo Café Salão. Na edição da Mostra de 2019 (a 13ª enfim) oficializamos a parceria de exibição com o Nalva Melo Salão Café e o cinema cult homenageado foi o japonês. Foram escolhidos três filmes: dois dos anos 1990 (um deles quase isso, na verdade), do diretor Shinya Tsukamoto, e outro da década seguinte, do prestigiado Takashi Miike. As produções foram: Tetsuo, O Homem de Ferro (1989), Hiruko, o Duende (1991) – ambos do Tsukamoto – e Ichi, o Assassino, de Miike (2001). É curioso, para dizer o mínimo, que boa parte desses filmes não tenham tido qualquer exibição comercial no Brasil, ou mesmo disponibilização em home video. Por outro lado, alguns deles tiveram um sucesso relativo, não no circuito comercial de cinemas, mas na TV, exibidos em programas vespertinos como o Sessão da Tarde e o Cine Trash, mesmo que com cortes; ou nos noturnos Sessão de Gala e Corujão (este quase matutino).
Como sempre, explicações das mais diversas para esse descaso existem, mas não muito fáceis de aceitar no geral. Duas delas, no entanto, apontam para a própria dificuldade de acesso a esses filmes (pelo menos em determinadas épocas), tais como a intolerância da censura como instituição político-social, além de uma rejeição social e cultural mais generalizada. Estas, aliadas à misantropia dos exibidores mal informados, completa o quadro de pobreza e falta de acesso à maior parte dessas produções “malditas”. É com satisfação e orgulho, portanto, que o Cineclube Natal tem proporcionado a um pequeno público (gostaríamos que fosse muito maior) a chance de ver e rever algumas obras de importância desse universo de filmes tão amplo e fascinante. Isso exige até mesmo trabalhos de legendagem em português do Brasil, como referido, por serem filmes de difícil acesso, trabalho do qual o CCN tem muito orgulho. A satisfação é ainda maior ao fazermos um balanço dos gêneros e histórias apresentadas dentro do universo cult. Foram filmes de cunho erótico, experimental, underground e/ou marginal brasileiro, suspense, psicológicos, ficção científica, horror e até os abertamente trash. Foram películas de diretores conhecidos e obscuros do grande público, como Jack Arnold, David Cronenberg, George Romero, José Mojica Marins (o nosso Zé do Caixão), Ed Wood, Thierry Zeno, Michael Winner, Yorgos Lanthimos, Jean Rollin, Jemaine Clement, Taika Waititi, Joseph Prieto, Richard Attenborough, Irving Pischel, Ernnest B. Schoedsack, Walerian Borowczyk, Pier Paolo Pasolini, Pier Giuseppe Murgia, René Cardona, René Cardona Jr., Robert Fuest, Alejandro Jodorowsky, Michael Powell, Roman Polanski, André Luiz de Oliveira, Rogério Sganzerla, Tomás Alfredson, Dario Argento, Robin Hardy, Tom Six, Marco Ferreri, Edgar G. Hulmer, Rodrigo Aragão, Amando de Ossorio, Paolo Chacara, Shinya Tsukamoto, Takashi Miike... Em termos de distribuição geográfica os filmes vieram dos EUA, França, Alemanha, Itália, México, Inglaterra, Suécia, Holanda, Bélgica, Grécia, Nova Zelândia, Espanha, Japão e também do Brasil, o que mostra a preocupação de nossa curadoria em traçar um panorama abrangente das mostras. Assim, diante desse breve histórico de nossas atividades, resta a convicção que cada uma das diferentes sessões foi, claramente, um tributo ao cinema mal, pouco, ou francamente desconhecido dos chamados filmes cult, produções que, com certeza são abertas, ou reservadamente, cultuadas por diferentes pessoas e grupos de gostos, digamos, peculiares. Se tudo correr bem, estaremos por aqui por vários anos mais, com outras edições da Mostra, Semana, ou até mesmo, esperamos algum dia, do Mês do Filme Cult.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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