Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Todo cuidado é pouco quando se decide transformar um livro que vendeu mais de um milhão de cópias em filme. “Ninguém é de Ninguém” é uma obra escrita por Zíbia Gasparetto e fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais da doutrina espírita, que é a terceira religião com mais adeptos no Brasil. Seria um desafio e tanto para qualquer diretor (no caso, Wagner de Assis, autor também do roteiro), traduzir em filme a história de dois casais (Roberto/Gabriela e Renato/Gioconda). Dois casais jovens e bonitos que têm as suas vidas particular e profissional, entrelaçadas e transformadas por sentimentos dominadores. Roberto (Danton Mello) é casado com Gabriela (Carol Castro) e logo no início já somos apresentados à sua possessividade e insegurança, que se agrava após Roberto perder o emprego e depender economicamente da sua esposa. Já Gabriela está em ascensão no trabalho e colhe os frutos do seu sucesso profissional, para a inveja do marido. Do outro lado estão Renato (Rocco Pitanga) e Gioconda (Paloma Bernardi), casados e sócios do escritório de advocacia onde Gabriela trabalha. De imediato, Gioconda inexplicavelmente se sente ameaçada pela presença de Gabriela, como se pressentisse que ela fosse despertar no marido algum tipo de admiração a qual seria retribuída. O elemento deflagrador dos conflitos são as inseguranças de Roberto e Gioconda, que para não perderem seus pares decidem por si que vão às últimas consequências para evitar uma separação. Como se tratam de conflitos internos intensos e sentimentos de ordem muito particular, o diretor precisou transformar essas sensações de posse irracional e ciúme doentio numa forma compreensível ao grande público. Em alguns momentos como clichês, seja na forma como Roberto e Gioconda articulam a derrocada profissional de Gabriela, ou nos momentos dos seus rompantes emocionais. Além disso, estes recursos fantasiosos são necessários para explicar como o plano espiritual incide nas vidas dos personagens, sobretudo depois que Roberto contrata os serviços de um profissional para enfeitiçar sua mulher e realizar o pagamento com a própria alma. Para ajudar a passar estes conceitos, o diretor lança mão de uma fotografia intensa, com ambientes escuros, recursos sonoros marcados, figurinos e maquiagens que reforçam a ideia mitificada do bem e do mal. Wagner de Assis já comandou filmes da temática como “Nosso Lar”, de 2010, e “Kardec: A História por Trás do Nome”, de 2019, e já demonstrou com eles para qual tipo de público faz seus filmes de longa-metragem: pessoas que não possuem o hábito de ir ao cinema, muito menos ler livros espíritas (entre outras palavras, são os menos exigentes). Consequentemente, somos brindados a um jogo de “pobreza” narrativa, como enquadramentos sensacionalistas, regados a uma trilha sonora que transmite um sentimento óbvio (como na cena onde Renato coloca a mão na cintura de Gabriela). Sim, estamos falando, realmente de um filme que extrapola neste quesito. Isso porque não falei sobre as cenas de ambos os casais em suas casas, que se assemelham a uma família em uma propaganda de margarina (fugindo totalmente dos padrões de uma casa normal de brasileiros). Fora os diálogos que quando não são ditas frases de efeito, o linguajar foge totalmente do que ocorre no dia a dia (em outras palavras, faltou um contato de realismo por parte dos envolvidos). “Ninguém é de Ninguém” termina sendo mais um filme fraco de nicho específico, feito totalmente para pessoas adeptas ao espiritismo e nada mais do que isso. Sem esse viés, o filme é simplesmente muito ruim.
No elenco destacam-se, ainda, Stepan Nercessian, Renata Castro Barbosa, Luiz Antonio Pillar, Gleici Damasceno, Charles Myara, Léo Castro, Pedro Guilherme, Dani Gutto, Maria Clara Baldon, Laura Souza, Aline Prado, Natália Rosa, Fabio de Lucca, Renata Canossa, Paty Santana, Nico Salim, Jovan Ferreira. O filme é de 2023, tendo estreado nos cinemas em 20 de abril, em 309 salas em todo o país.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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