Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Leões e Cordeiros é um filme de 2007 dirigido por Robert Redford. Com ótimas atuações de Meryl Streep, Tom Cruise, Robert Redford, Michael Peña, Derek Luke, Andrew Garfield, Kevin Dunn e Peter Berg. O roteiro é de Matthew Michael Carnahan, fotografia de Philippe Rousselot, montagem de Joe Hutshing e música de Mark Isham. O filme é dividido em três frentes narrativas e traz o próprio Redford como o professor Stephen Malley, que, numa faculdade da Califórnia, tenta convencer seu aluno mais promissor, Todd (Garfield), a explorar melhor o seu potencial. Para isto, ele fala sobre dois ex-alunos, Ernest Rodriguez (Peña) e Arian Finch (Luke), que trancaram matrícula e se alistaram no exército, encontrando-se atualmente em uma missão secreta no Afeganistão – o que compõe o segundo terço da trama. Finalmente, acompanhamos uma intensa conversa entre a jornalista Janine Roth (Streep) e o senador republicano Jasper Irving (Cruise), que decide conceder uma entrevista exclusiva à repórter para revelar uma nova estratégia na “guerra contra o terrorismo”: o estabelecimento de pontos avançados no Afeganistão que possam ser utilizados numa ofensiva futura contra o Irã. Isso vale para qualquer uma das guerras desenvolvidas pelos EUA ao longo da história. Provavelmente a maioria das pessoas não se lembra mais, ou então ainda não parou para pensar, que o conflito entre EUA e Iraque, por exemplo, já tem um tempo de duração maior que o da Segunda Guerra Mundial. E que certamente não vai terminar tão cedo. É justamente este o maior mérito do filme “Leões e Cordeiros”: fazer com que as pessoas parem e pensem. Pensar no absurdo desta(s) guerra(s) fabricada(s), pensar na função de cada indivíduo dentro da sociedade, pensar no papel da mídia. Ou seja, o filme dirigido e interpretado por Robert Redford, “Leões e Cordeiros”, propõe exatamente o contrário da maioria dos filmes norte-americanos: pensar. O que é coerente com a longa carreira de Redford, sempre associada a trabalhos ligados a causas políticas e humanitárias. Em poucas horas de ação simultânea numa universidade da Califórnia, num gabinete do Congresso em Washington e numa montanha nevada do Afeganistão, Leões e Cordeiros sintetiza todo um debate que está afetando corações e mentes nos EUA (e creio que no resto do mundo também, vide a recente guerra entre a Ucrânia e a Rússia). Robert Redford não está ali para brincadeiras. Não faz rodeios de dramaturgia nem enfeita o discurso. Vai direto ao ponto. Sua consciência liberal precisa se exprimir de maneira rápida e crua. Em 2007, ano da realização do filme, os ideólogos da guerra estão no comando. A juventude está apática. A imprensa, em crise de consciência. E os “garotos” continuam morrendo no “front”. Cada um dos três blocos do filme veicula uma parte dessa equação, como vimos. O próprio Redford vive um professor de Ciências Políticas, veterano do Vietnã, que tenta convencer um estudante a colocar sua inteligência a serviço de uma boa causa. O desinteresse dos jovens pela política – mas não eventualmente pela sua face bélica, aventureira – abre espaço para as investidas de falcões como o senador republicano vivido por Tom Cruise, que impõem uma visão do mundo em preto-e-branco. Enquanto isso, Meryl Streep vive Janine Roth como o tipo de jornalista que fez (e faz) tanta falta aos Estados Unidos pós-11 de Setembro: dona de um rigor intelectual admirável, ela não hesita em fazer as perguntas certas (e duras) ao poderoso político à sua frente – e tampouco deixa de rebater as respostas vazias, incompletas ou falhas que lhe são apresentadas, deixando claro que não se contentará em ser uma mera porta-voz oficial das novas políticas daquela administração (um papel que, infelizmente, até mesmo jornais como o New York Times assumiram nos primeiros anos do governo Bush). Robert Redford, por sua vez, parece encantado com a postura idealista de seu personagem, sem perceber que, em boa parte das vezes, acadêmicos como Stephen Malley adoram bater nas próprias costas por sua visão progressista do mundo, mas falham diante da postura infinitamente mais agressiva dos conservadores, que acabam dominando a política norte-americana (e não apenas ela, infelizmente) ao explorarem a passividade de seus rivais liberais – e Malley entrega esta sua falta de pragmatismo ao dizer que o importante é “fazer qualquer coisa”, sem se importar com a eficácia da estratégia adotada, ou seja: se a intenção é nobre, falhar ao executá-la não é realmente um problema. Esta, aliás, também é a postura dos soldados vividos unidimensionalmente por Derek Luke e Michael Peña (que passam a maior parte da projeção imobilizados e à espera de socorro), que só se tornam mais interessantes quando comparados ao fraco novato Andrew Garfield, que interpreta o aluno Todd Hayes de maneira irritante, limitando-se a reagir com risadinhas irônicas a tudo que seu professor diz, transformando seu personagem em um sujeito incrivelmente antipático – algo gravíssimo, já que o roteiro espera que torçamos por sua “conversão”.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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