Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Os Sete de Chicago, em inglês Chicago Seven (originalmente Chicago Eight, ou Conspiracy Eight/Conspiracy Seven) foram sete réus – Abbie Hoffman, Jerry Rubin, David Dellinger, Tom Hayden, Rennie Davis, John Froines e Lee Weiner - acusados pelo governo dos Estados Unidos de conspiração, incitação a revolta e outras acusações relacionadas a protestos contraculturais e contra a Guerra do Vietnã ocorridos em Chicago, Illinois, por ocasião da Convenção Nacional Democrata de 1968. Bobby Seale, o oitavo homem acusado (um dos líderes do grupo Panteras Negras, a presença de um revolucionário negro entre os acusados, na cabeça dos promotores, ajudaria a colocar a opinião pública contra o grupo), teve seu julgamento interrompido durante o processo, pois ele não estava diretamente envolvido com a questão em julgamento, diminuindo o número de réus de oito para sete. Seale foi condenado a quatro anos de prisão por desacato ao tribunal, embora essa decisão tenha sido revertida posteriormente. Depois de um julgamento federal que resultou em absolvições e condenações, seguido de apelações e reversões, alguns dos sete acusados foram finalmente condenados, embora todas as condenações tenham sido revertidas mais tarde. A Convenção Nacional Democrata de 1968 foi realizada em Chicago no final de agosto para selecionar os candidatos do partido para a eleição presidencial de novembro de 1968, isso depois de Lyndon B. Johnson anunciar que não disputaria a reeleição. Em meio à efervescência cultural da época e à desastrosa participação americana na Guerra do Vietnã, movimentos sociais organizaram uma série de protestos pacíficos em Chicago, local da convenção. A ideia era a realização de um festival de música e discursos antibélicos no parque, mas os cerca de 10 mil manifestantes foram recebidos por 23 mil policiais. Em um clima de alta tensão, bastaria uma pequena faísca para explodir uma confusão generalizada. Antes e durante a convenção - que aconteceu no International Amphitheatre -, manifestações, marchas e tentativas de marchas aconteceram nas ruas e nos parques à beira do lago, a cerca de oito quilômetros do local da convenção. Essas atividades foram realizadas principalmente em protesto às políticas do presidente Lyndon B. Johnson para a Guerra do Vietnã, políticas que foram vigorosamente contestadas durante a campanha primária presidencial e mesmo dentro da convenção, posteriormente. Grupos antiguerra pediram à prefeitura de Chicago que autorizasse a marcha de oito quilômetros partindo do distrito comercial central até o local da convenção, para realizar uma série de comícios nos parques à beira do lago e também perto da convenção, e acampar no Lincoln Park. A prefeitura negou todas as permissões, com exceção àquela que seria realizada à tarde na velha concha acústica na extremidade sul do Grant Park. A cidade também impôs um toque de recolher às 11 horas no Lincoln Park. Confrontos com os manifestantes se seguiram à medida que a polícia reforçou o toque de recolher, interrompeu as tentativas de marchar para o International Amphitheatre e retirou multidões das ruas. O comício do Grant Park na quarta-feira, 28 de agosto de 1968, contou com a participação de aproximadamente 15 mil manifestantes; outras atividades próximas envolveram centenas ou milhares de manifestantes. Após o grande comício fora do local, vários milhares de manifestantes tentaram marchar para o International Amphitheatre, mas foram parados em frente ao Conrad Hilton Hotel, onde os candidatos à presidência e suas campanhas estavam sediados. A polícia trabalhou para empurrar os manifestantes para fora da rua, usando gás lacrimogêneo, confrontos verbais e físicos e cassetetes para espancar pessoas; os manifestantes retaliaram atirando pedras e garrafas e danificando propriedades comerciais privadas. A polícia fez dezenas de prisões. As redes de televisão transmitiram imagens desses confrontos violentos, cortando os discursos de indicação dos candidatos à presidência. Ao longo de cinco dias e noites, a polícia fez inúmeras detenções, além de usar gás lacrimogêneo, spray e bastões nos manifestantes. Centenas de policiais e manifestantes ficaram feridos. Dezenas de jornalistas cobrindo as ações também foram espancados pela polícia ou tiveram câmeras destruídas e filmagens confiscadas. No rescaldo do que mais tarde foi caracterizado como um "conflito policial" pela Comissão Nacional das Causas e Prevenção da Violência dos EUA, um júri federal indiciou oito manifestantes e oito policiais. Após a convenção de 9 de setembro de 1968, um júri federal foi convocado para considerar as acusações criminais. O grande júri concentrou-se nos possíveis motivos para acusações em quatro áreas: uma conspiração dos manifestantes para cruzar as linhas estaduais e incitar distúrbios; violações da polícia dos direitos civis dos mcomanifestantes pelo uso de força excessiva; violações da rede de TV do Federal Communications Act; e violações da rede de TV das leis federais de escuta. Ao longo de mais de seis meses, o júri se reuniu 30 vezes e ouviu cerca de 200 testemunhas. O procurador-geral do presidente Lyndon Johnson, Ramsey Clark, desencorajou uma acusação, acreditando que a violência durante a convenção foi causada principalmente pelo mau uso dos protestos pela polícia de Chicago. O grande júri retornou às acusações somente depois que o presidente Richard Nixon assumiu o cargo e John Mitchell assumiu a Procuradoria Geral. Em 20 de março de 1969, oito manifestantes foram acusados de vários crimes federais e oito policiais foram acusados de violações dos direitos civis. Os oito réus foram acusados de acordo com as disposições antirrevolta do Civil Rights Act de 1968, que tornou um crime federal atravessar fronteiras estaduais com a intenção de incitar revolta. Os Oito de Chicago foram acusados de três tipos de crimes: que todos os oito réus teriam conspirado (junto com outros 16 coconspiradores que não foram indiciados) para cruzar fronteiras estaduais para incitar uma revolta, ensinar a fabricação de um dispositivo incendiário, e cometer atos para impedir os policiais em seus deveres legais: David Davidinger, Rennie Davis, Tom Hayden, Abbie Hoffman, Jerry Rubin e Bobby Seale teriam cruzado individualmente as fronteiras estaduais para incitar uma revolta; John Froines e Lee Weiner instruíram outras pessoas na construção e uso de um dispositivo incendiário. Os 16 supostos coconspiradores que evitaram a acusação foram: Wolfe B. Lowenthal, Stewart E. Albert, Sidney M. Peck, Kathy Boudin, Corina F. Fales, Benjamin Radford, Thomas W. Neumann, Craig Shimabukuro, Bo Taylor, David A Baker, Richard Bosciano, Terry Gross, Donna Gripe, Benjamin Ortiz, Joseph Toornabene e Richard Palmer. Essa é a história real. "Os 7 de Chicago", o ótimo drama que está na grade da Netflix desde o dia 16 de outubro (teve sua estreia numa rede limitada de cinemas nos EUA no dia 25 de setembro), e que é uma aposta dela para concorrer ao Oscar, é a obra de ficção. É um drama, ou docudrama dirigido por Aaron Sorkin. Sorkin havia dirigido anteriormente o filme Molly´s Game, em 2017. Sorkin tem outros bons roteiros no seu currículo: A Few Good Man, Malice, The American President, The West Wing, The Social Network, Moneyball, Steve Jobs. Os 7 de Chicago tem ótimos diálogos, um roteiro muito bem estruturado do próprio Aaron e um elenco em boa parte impecável. Tudo isso posto a serviço de um drama de tribunal, ágil, datado, sobre um dos mais marcantes julgamentos dos EUA e corajoso também ao mostrar um julgamento tendencioso que entrou para a História dos EUA. Infelizmente, no presente momento, ele se mostra não só “novo”, como totalmente atualizado frente às situações políticas que estamos vivendo. Quase sempre com muita energia e às vezes empolgante e envolvente, Os 7 de Chicago trata com a profundidade necessária o problema que há no centro de sua trama: um julgamento político. Aqui, todos os eventos e figuras históricas que cercam o julgamento dos “sete de Chicago” servem apenas como contexto para mostrar como o estado de direito pode ser facilmente comprometido por pessoas interessadas em reprimir a dissidência política ou em agir com base em vendetas e interesses pessoais. O roteiro e a direção de Aaron Sorkin realçam o contexto político dos EUA dos anos 1960 e os temperamentos dos personagens por meio de diálogos inspirados e de uma edição que impõe um ritmo dinâmico e envolvente. Misturando muito bem a dramatização com imagens de arquivo, o filme transporta o espectador para aquela época. A produção do filme é, de muito, beneficiada pelo foco quase total no julgamento, deixando os protestos que cercaram a Convenção do Partido Democrata, em 1968, para serem mostrados apenas como flashbacks. Além da montagem na abertura, uma das poucas cenas mostradas antes do início do julgamento é a do “recrutamento” do promotor Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt) pelo Procurador Geral dos EUA John N. Mitchell (John Doman) para processar os acusados por motivos muito mais políticos do que judiciais. Esse uso político-ideológico das cortes lembra filmes recentes como Ponte de Espiões (Steve Spielberg) e Boa Noite e Boa Sorte (George Clooney). O juiz Julius Hoffman (Frank Langella, em excelente interpretação) age muito mais como acusador do que como arbitrador durante o julgamento, dificultando a defesa liderada pelo advogado William Kunstler (Mark Rylance, também em excelente interpretação) e facilitando a vida da promotoria. A atuação de Hoffman também lembra a corrupção dos juízes mostrados no documentário Kids for Cash (Robert May), sobre um grande escândalo de venda de sentenças judiciais que eclodiu nos EUA em 2008. Hoffman é uma típica figura autoritária, guiado muito mais por suas crenças pessoais do que pelo espírito ou pelos princípios da lei (como temos visto tão frequentemente na atuação de muitos ministros no “nosso” STF). O único momento no qual ele demonstra alguma humildade é quando está diante do ex-Procurador Geral dos EUA Ramsay Clarke (Michael Keaton), que possui um perfil mais alto que o seu e cuja presença o intimida. Esse é o típico comportamento de alguém que só age como um “valentão” quando se considera a pessoa mais importante no ambiente. Também é de se destacar questões fora dos aspectos jurídicos. Os 7 de Chicago também mostra os atritos entre os oito homens inicialmente levados a julgamento. A dinâmica entre eles é uma boa representação dos conflitos internos que sempre permearam os movimentos de esquerda, como temos visto aqui no Brasil também. Ainda mais exacerbado agora, às vésperas das eleições municipais, com discordâncias sobre métodos e prioridades sendo colocadas acima dos objetivos em comum que eles possuem. Se os hippies Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong) estão mais interessados na revolução cultural da contracultura, Tom Hayden (Eddie Redmayne) e Rennie Davies (Alex Sharp) estão focados em obter vitórias eleitorais para avançar politicamente as propostas do campo progressista. Já David Dellinger (John Carroll Lynch) é um pacifista mais interessado em protestos não-violentos, quase que exclusivamente.
O oitavo acusado é Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), um co-fundador dos Panteras Negras que não tem acesso a seu advogado e é auxiliado por Fred Hampton (Kelvin Harrison Jr.) durante o julgamento. Os 7 de Chicago mostra parcialmente o impacto, sobre Beale e sobre o caso, do assassinato de Hampton pela polícia. Todos os aspectos mencionados anteriormente fazem de Os 7 de Chicago um bom documento de um momento histórico e dos perigos dos abusos judiciais. Apesar do julgamento em si ter ido até o fim, mesmo com tantos problemas, e dos acusados terem sido condenados, o sistema judiciário dos EUA funcionou bem o suficiente para reverter as decisões do juiz Hoffman. Porém, esse dificilmente pode ser considerado um final feliz, pois os abusos sofridos por eles até a absolvição não podem ser revertidos.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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