Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] O cinema vive de ideias originais, adaptações e inspirações naqueles filmes que já deram certo. Oxigênio, nova ficção científica da Netflix, utiliza elementos vistos diversas vezes em Hollywood: claustrofobia, pistas sobre o passado e a busca pela própria identidade. No entanto o filme criativo dirigido por Alexandre Aja (Viagem Maldita, 2006 e Predadores Assassinos, 2019), com um bom roteiro da novata Christie LeBlanc, e a excelente atuação de Mélanie Laurent, o tornam um ponto fora da curva. A trama conta a história de Elisabeth Hansen (Laurent), que acorda envolta em uma espécie de casulo em uma câmara criogênica. Ela retoma a consciência com dificuldade para lembrar o seu passado, sem entender como funciona a cápsula que se encontra trancada e ainda precisa correr contra o tempo para viver – um monitor apresenta um limite de 35% de oxigênio disponível. A sensação de claustrofobia e o desespero deixam-na confusa, sem saber o que é realidade e o que é uma memória falsa. Com a ajuda de uma inteligência artificial chamada M.I.L.O. (um ótimo trabalho de voz de Mathieu Amalric, de O Escafandro e a Borboleta, 2007 e O Grande Hotel Budapeste, 2014), lembrando outros trabalhos similares de qualidade, como Scarlett Johansson em Ela, 2013. Há um tom de perigo eminente na inteligência artificial, assim como um ar de segundas intenções. Tudo isso também é bem complementado pelo visual adotado pelo designer de produção Jean Rabasse. Ele acerta em cheio na criação dessa atmosfera dúbia. A proposta do filme é bem parecida com Enterrado Vivo, longa-metragem de 2010, dirigido por Rodrigo Cortés, e protagonizado por Ryan Reynolds. Ambos utilizam ligações telefônicas com autoridades policiais para dar andamento às cenas. A diferença é que, enquanto o diretor Cortés brigava para conseguir uma boa iluminação para o caixão completamente escuro, Alexandre Aja conta com a luz artificial do monitoramento da paciente, com muitas luzes, telas e leds. O diretor consegue desenvolver uma movimentação de câmera bem interessante, ora flutuando pela câmara em momentos de calmaria, ora focando no rosto da protagonista para demonstrar suas reações para um novo problema. Ao demonstrar logo de início o tamanho e as limitações da cápsula, Aja pode se preocupar em desenvolver o clima de tensão e dar espaço para Mélanie Laurent brilhar (e o faz de maneira extremamente competente e dramática). Como um filme de uma única atriz ela é o centro das atenções durante o filme inteiro e conta com grande ajuda da inteligência artificial para um ponto de referência para conversar e interagir. Por meio da sua atuação e do clima criado pela trama, é instalado um alto nível de imersão, a cada respiração mais profunda da protagonista, é criada uma tensão em relação à porcentagem do oxigênio. Ela fica deitada o tempo todo e passa por períodos de absoluto desespero, crises de ansiedade e, raramente, controle da situação. O filme conta com diversos pontos de virada e um bom ritmo. O que começa como uma premissa minimalista vai se desenvolvendo para algo gigantesco. Trata-se de um ótimo suspense, com uma excelente argumentação e atuação. A trama acaba incluindo ecos sobre a pandemia, pois é difícil não ligar os pontos sobre a falta de oxigênio da personagem com a realidade de muitos hospitais no Brasil e no mundo. Em alguns flashbacks, alguns personagens utilizam máscaras, levando a entender também que o filme foi gravado durante a pandemia. Oxigênio conta com cenário reduzido e, quando os flashbacks exigem um maior número de pessoas em cena, as vemos com máscaras ou proteções típicas da pandemia do novo coronavírus. E a ideia desse ambiente controlado, que fica restrito quase a apenas um único cenário, foi uma boa sacada do cineasta Alexandre Aja. Oxigênio é um ótimo exercício em criar tensão sufocante (literalmente) com poucos recursos, que cresce ainda mais quando espelha com honestidade a descrença de quem já perdeu as esperanças no mundo atual, mas que isso nem por isso deixa de lutar pelo amanhã.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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