Nelson Marques Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Associação Cultural Cineclube Natal e-mail: [email protected] Salvyano Cavalcanti de Paiva foi jornalista, escritor, professor de comunicação social, crítico, pesquisador e historiador, com um estilo inconfundível, caústico e independente, nasceu em Natal, no dia 29 de setembro de 1923. Morreu no Rio de Janeiro, doente, esquecido, execrado por muitos, lembrado por poucos, em 2000, no dia 19 de agosto. Se vivo estivesse, estaria completando 98 anos de idade em 2021. É surpreendente, no entanto, saber que um jornalista brasileiro, potiguar de nascimento, que detém pioneirismos em sua biografia só tenha tido, ao longo desse tempo de vida, apenas um ensaio biobliográfico publicado em 2019, quase 20 anos depois de seu falecimento. Pelo menos essa falta foi preenchida pelo também potiguar Wandyr Villar, jornalista, historiador e escritor, ao escrever o livro chamado simplesmente Salvyano Cavalcanti de Paiva, edição das editoras Caule de Papiro e Tábua de Maré, em Natal. Wandyr está em processo de publicação de uma segunda edição, revista e aumentada, continuando seu projeto de resgatar e valorizar a obra e a memória de Salvyano. Preenchida essa falha, resta ainda o resgate de sua obra literária e jornalística para que seja estudada a contento. Os livros de Salvyano são imprescindíveis para o estudo da história do cinema nacional e internacional. Seus artigos em jornais e revistas são um grande manancial de estudos para diversas áreas, cinema, publicidade, teatro, folclore, semiótica, ciências sociais, etc. Seus últimos escritos são de 1993/1994. Seus últimos livros, dos 10 que publicou, foram História Ilustrada dos Filmes Brasileiros 1929-1988, com uma análise crítica década por década de 734 filmes, de 2000 produzidos em 60 anos, de 1989, e Viva o Rebolado!: Vida e Morte do Teatro de Revista Brasileiro, de 1991. A paixão de Salvyano pelo cinema foi iniciada e curtida a partir do “escurinho do cinema” dos cines Polytheama e Royal na Ribeira e na Cidade Alta, em Natal, RN. Mesmo aqueles que nunca o frequentaram sabem das suas existências pelas histórias e lenda em que eles se transformaram. Como eles já não existem mais já há muito tempo, ficamos com as suas histórias, à guisa de verdade, aproveitando uma das grandes frases ditas no cinema: aquela do mítico O Homem Que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford, filme de 1962, com James Stewart, John Wayne, Vera Miles e Lee Marvin: “... This is the West, Sir. When the legend becomes fact, print the legend...”. Salvyano iniciou a trajetória de crítico de cinema jovem ainda, quando estava em Natal. Antes disso teve a sua “formação” cinematográfica iniciada em 1928 sendo frequentador assíduo do Cine Polytheama e do Royal Cinema, desde os 5 anos de idade. Esta formação incluiu, poucos anos depois, a feitura de um cinema caseiro rudimentar com e para os amigos da rua e da escola ao qual deram o nome pretencioso de Cinema Moderno que promovia sessões de filmes infantis curtos e muitos desenhos animados. As sessões eram pagas e depois de algum tempo passou a ter um público infanto-juvenil regular. O progresso em sua formação infanto-juvenil incluiu também a criação de um jornalzinho caseiro – “O Gato” - no qual ele tinha o papel de redator e editor. Pois foi nesse jornalzinho que Salvyano publicou os seus primeiros textos sobre cinema. Desde essa época as contribuições para o jornal eram pagas, uma bandeira de Salvyano que ele defendeu até o fim de sua vida. Para ele era inaceitável que a colaboração escrita, portanto um produto intelectual, não fosse valorizada remunerada. Ele dizia a todos, durante a sua vida profissional, que ele nunca trabalhou de “graça”. Ele sempre foi remunerado, seja com muito, seja com pouco. Aí a luta já passa a ser outra, exigindo bandeiras políticas de luta e de profissionalização adequadas, que ele também exerceu. Todas as suas outras atividades foram desenvolvidas no Rio de Janeiro, inclusive a de ser um dos mais importantes críticos de cinema. Ele pertenceu à chamada “geração de 1940”, que deu à crítica cinematográfica nacional outra identidade com textos de conteúdo e de espaços reais de publicação, mesmo que ela fosse se perdendo e esgarçando ao longo das décadas seguintes. Continuou interagindo com muitos outros nomes desde então. De qualquer modo foi época dos grandes nomes na crítica jornalística, como o gaúcho Pery Ribas, com quem Salvyano começou seu trabalho de crítico, Alex Viany, Moniz Vianna, Valério de Andrade, Hugo Barcelos, Luiz Alípio de Barros, Pedro Lima, Leon Eliachar, José Francisco Coelho, Vinicius de Morais, Carlos Heitor Cony, Paulo Emílio Salles Gomes, dentre muitos outros. Salvyano teve uma participação importante na mítica revista Scena Muda, dentre muitos outros órgãos informativos, revistas, jornais, TV e rádio, durante os anos 1940/1950. Nessa época, Salvyano habitava o olimpo dos grandes críticos brasileiros, que também escreviam na Scena Muda. Salvyano se caracterizava por fazer lúcidas análises dos grandes diretores, e filmes; e as informações que dava de detalhes da técnica, do roteiro, da fotografia, da montagem, eram sempre enriquecedoras. Salvyano foi à época, um dos raros Doutores em Cinema, fazendo par com Paulo Emilio Salles Gomes. Desde criança, iniciando ainda em Natal, e depois no Rio de Janeiro, além de frequentar os cinemas, era colecionador de fotografias, programas (é... os cinemas tinham isso também!), cartazes, folhetos, sinopses, e fichas técnicas de filmes nacionais e estrangeiros. No Rio de Janeiro, Salvyano, repórter e comentarista de cinema desde 1943, acumulou milhares de artigos, comentários, reportagens com atores, diretores, roteiristas, técnicos, produtores, distribuidores e exibidores. Salvyano, mesmo brilhando no Rio de Janeiro, durante a maior parte da sua vida, nunca esqueceu as suas origens no Rio Grande do Norte. Sempre esteve com os olhos voltados para a sua origem potiguar, como pode ser visto em diversos de seus textos. Em diversos momentos participou da construção de novas propostas no Rio Grande do Norte, como, por exemplo, o I Festival do Escritor Norte-Riograndense, em 1961, as Semanas de Cultura Nordestina em 1978 e 1979, bem como a criação em 1987 do FestNatal (Festival de Cinema e Vídeo de Natal), junto a Valério de Andrade, que em suas primeiras edições foi um dos importantes festivais de cinema do Brasil. Teve participação ativa nas suas primeiras edições. Esse amor por Natal e o Rio Grande do Norte pode ser acompanhada pela entrevista que ele deu em 1988, a Alvamar Furtado e Carlos Lyra, para o programa Memória Viva, da TV Universitária da UFRN, quando aqui estava numa das edições do FestNatal. Esta foi última vez que esteve em Natal e no Rio Grande do Norte. Salvyano foi jornalista, escritor, publicitário, crítico, tradutor, tendo uma intensa produção de textos publicados em dezenas de órgãos informativos, como jornais, revistas, rádio e televisão. Dentre eles podemos citar, apenas como exemplo, Revista Manchete, Revista Filme, Revista Coletânea, Revista Panfleto, Revista Visão, jornais como O Globo, Diário de Notícias, Correio da Manhã, Jornal do Brasil, e televisão, TV Rio, TV Tupi... Em termos de livros, começou a publicar em 1953, com O Gangster no Cinema (foi o primeiro livro no gênero, antes mesmo de publicações nos EUA), Operação Verso (poemas), em 1953, Aspectos do Cinema Americano, 1956, Pequena História do Cinema das Repúblicas Populares, com Vselovod Pudovikin e E. Sminova, 1958, Il Cinema Brasiliano, coletânea organizada por Gianni Amico, 1961, A Vida Sexual Secreta do Automóvel Americano (& outras histórias), de Ray Puechner, co-tradução com Elice Munerato , 1970, O Mito em Água e Sal, romance, 1974, Grace Kelly: As Vidas Secretas da Princesa, de James Spada, tradução, 1987, O Prazer como Risco de Vida, de Randy Shilts, tradução, 1987, História Ilustrada dos Filmes Brasileiros: 1929-1988, 1989, Simone de Beauvoir: Uma Vida de Liberdade, de Carol Ascher, tradução, 1991, Meus Fantasmas, de Ernesto Sábato, tradução, 1991 e Viva O Rebolado!: Vida e Morte do Teatro de Revista Brasileiro, 1991, seu último livro. Deixou pelo menos 24 outros manuscritos prontos, para os quais não conseguiu editor, entre eles a sua autobiografia, Não Esqueço, Não Perdôo!: Memórias de um Redator Profissional tendo, inclusive, o prefácio do jornalista Valério de Andrade. Salvyano foi produtor e diretor do filme do Instituto Nacional de Cinema, seu único filme, Brasileiros em Hollywood, de 1970, um curta-metragem no qual aborda o pioneirismo dos atores brasileiros em Los Angeles (Syn Conde, Antônio Rolando, Lia Torá, Olympio Guilherme, Raoul Roulien, Eros Volúsia, Aurora e Carmen Miranda), além de vários “filmetes” para empresas publicitárias do Rio de Janeiro e São Paulo. Salvyano, assim como a maior parte de seus contemporâneos, sofreu e sofre da maldição do esquecimento e desrespeito às suas respectivas importâncias para a história do cinema e do jornalismo brasileiros. Isso porque não há uma política séria de preservação de nossos documentos históricos, ou de simples memória respeitosa (não saudosista). Em nosso estado, particularmente, essas questões se agravam ainda mais pela falta de tradição de valorizar o “antigo”, em detrimento de uma falsa modernidade e/ou progresso. Não há políticas públicas efetivas para que possamos manter e resgatar personagens importantes de nossa história. Não há respeito à persona como tal, não há valores a serem cultivados e/ou preservados. Infelizmente.
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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